29 de set. de 2013

Porto de São Francisco do Sul: Por que não aprendemos as lições?

Publicado simultaneamente com o jornal eletrônico CORREIO DO LITORAL

  • Portos são atividades de risco? Sim, são. E de muito risco...





Então por que acontecem tragédias, explosões de navios, oleodutos, tanques e agora com depósito de fertilizantes, como ocorrido na cidade São Francisco do Sul dias atrás?
por Daniel Lúcio de Souza

Na minha modesta opinião, é um processo cultural, histórico de ocupação territorial desordenada, alimentado por omissões de dirigentes públicos ao longo de décadas, com a passividade e conivência das populações urbanas.

Em 2006, participei em Sydney na Austrália, da Conferência Internacional Cidades-Portos. Percebeu o termo? “Cidade-porto”?

Há cidades que têm portos, como Rio de Janeiro, Nova Iorque, Porto Alegre entre outras, onde o porto não tem mais peso econômico na vida da cidade. Isto é: o porto pode ser fechado que não haverá graves impactos, pois não é mais a principal atividade local.

Por outro lado, temos os portos com cidades em seu entorno. Aí se classificam Itajaí, Navegantes, São Francisco do Sul, Paranaguá e Antonina. E agora, os mais novos dependentes: Itapoá, Garuva e Pontal do Paraná. Nestes casos, os portos são fundamentais para o emprego e renda da cidade, e que se fechassem, haveria caos econômico-social local. 

Os portos modernos, são construídos longe das cidades, no Brasil temos poucos exemplos. Devem estar separados e longe de bairros familiares e pessoas comuns, para que os impactos de suas atividades não interfiram nos riscos e na qualidade de vida das comunidades.

Mas e os portos de nossas regiões, litoral do Paraná e norte-catarinense? 

São caóticos! Tudo misturado, atividades portuárias, silos, terminais, tanques de produtos químicos e inflamáveis ao lado de casas, bairros, escolas e santuários religiosos, e barracos de favelas encostados em muros terminais de inflamáveis, quando as melhores práticas aconselham que terminais com riscos de explosão sejam construídos à pelos menos 20 quilômetros dos centros urbanos.

Aprendemos alguma coisa com a explosão do navio chile Vicuña em plena festa do Rocio, em novembro de 2004? Não. As festas continuam e os navios nos terminais de inflamáveis do porto de Paranaguá também.

No caso do navio Vicunã, um ‘case ’ estudado por ter sido raro no mundo, quatro tripulantes morreram na hora da explosão, cerca de 4 milhões de litros de óleo foram derramados. 

Naquela noite da Festa do Rocio, milhares de pessoas estavam comendo, bebendo, comprando e passeando pelas barracas ou assistindo o show de uma famosa cantora nacional. Isto tudo à poucos metros da explosão, que estilhaçou vidros à quilômetros de distância dali. Crianças, adultos, idosos correram apavorados, pessoas foram pisoteadas e por sorte ninguém morreu pelo frenesi da multidão, sem nenhuma coordenação ou plano de emergência: Uma insanidade pública. Mudou alguma coisa nas festas seguintes? Não.

Ah! Ia me esquecendo: Paranaguá ganhou um aquário municipal. Sim um aquário!

A empresa dona do terminal onde o navio explodiu, negociou com o órgão ambiental estadual e prefeitura, trocar a multa recebida pela obra. Então, aguardemos os peixinhos, que ainda não chegaram.

Nossos portos, estão sendo diariamente engolidos pela ocupação irregular da vida urbana, sem planos diretores que separe a atividade industrial-portuária, da vida domiciliar de cada comunidade.
Em Paranaguá, a Escola Estadual Estados Unidos, fica no outro lado da rua de dezenas de armazéns de fertilizantes, com movimentação 24 horas, com inúmeros caminhões gerando levantamento de poeira e partículas poluentes em suspensão.  O que é necessário ao Estado do Paraná retirar dali a escola e suas crianças doentes por danos respiratórios e exposição ao risco diário? Uma tragédia?

Quando atuei na APPA (Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina), para atender uma demanda judicial, conseguimos com o então Governador Requião, 400 casas populares no outro lado da cidade, gratuitamente para remover famílias que há décadas ocuparam terreno público ao lado dos terminais de álcool, inflamáveis e fábrica de fertilizantes. 

Mas, hoje descubro que meus sucessores, as empresas, população local e o MPF firmaram um acordo judicial, e?.... ficou tudo como estava. Quase nada mudou na atual Vila Becker, cuja tragédia anunciada corrói dia e noite a saúde daquela gente. Além dos riscos que a ação judicial denunciava, mas que por um ato divino... sumiu!

Ainda em Paranaguá,  na principal avenida de acesso ao porto para os caminhões descarregarem grão, tem a Escola Estadual Costa e Silva: poluições sonoras, aérea, perto de terminais de inflamáveis e químicos, veículos pesados em velocidade. É ou não uma tragédia anunciada? Estamos esperando o que, sua materialização?

O deve fazer a Prefeitura de Antonina, por exemplo? Isolar, impedir não conceder alvarás ou licenças de qualquer tipo, para loteamentos, construções urbanas no entorno dos terminais portuários da cidade. Isto é fácil? Não, não é, mas na tragédia procurar “o culpado”, como se fez no caso do incêndio da boate Kiss em Santa Maria, no Rio Grande Sul. 

Agora em São Francisco acontecerá o mesmo. Até vi na TV o governador de Santa Catarina dizendo: “Temos que tirar lições do que ocorreu aqui.....”. Lições ou agir imediatamente?


Pluma da fumaça (lado direito na seta vermelha) dirigindo-se ao litoral do Estado do Paraná.

Nossa sociedade esquece rapidamente. Será que a tragédia com jovens gaúchos mortos na boate incendiada serviu ao dia-a-dia das instalações de entretenimento pelo país afora, ou foi só durante a histeria social que costuma se instalar no momento trágico?

O prefeito de Pontal do Paraná que trate de aproveitar as “lições” e convoque a Câmara de Vereadores, técnicos e especialistas para blindar a comunidade dos impactos e riscos que estaleiros e terminais portuários causarão às populações do município. O mesmo se aplica a Paranaguá, Antonina, Itapoá, São Francisco do Sul... 

Se portos são importantes à vida econômica de uma população, que se faça com planejamento e segurança, pois o mais importante é VIDA e sua qualidade, pois caso contrário, assistiremos passivamente esse filme de novo.

É a minha opinião!

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