31 de out. de 2012

Marinharia em formato Prático - Uma abordagem da Praticagem


Por Michel Grey* 

Traduzido pelo prático Alexandre Gonçalves da Rocha - Complexo Portuário de Itajaí-SC (Brasil)

No final do mês de setembro, cerca de 270 práticos estavam à solta em Londres, participando do 21˚ Congresso da Associação Internacional de Práticos Marítimos (International Maritime Pilots Association, ou IMPA).

MSC Fortunate entrando na barra do porto de Itajai - SC (Foto de Alexandre G. Rocha)
Quem já se deu ao trabalho de ler minha coluna na Lloyd’s List durante algum tempo terá percebido que me apraz apoiar os práticos tanto quanto possível, pois acredito que eles são aliados da segurança marítima, seguro contra acidentes e trazem bom senso prático a toda discussão operacional.
A IMPA é uma participante importante da Organização Marítima Internacional (IMO), e aqueles que a representam contribuem com sua perspectiva prática e exclusiva para qualquer debate.
Há vários ex-marítimos em representações nacionais e não-governamentais, mas só o camarada logo atrás da placa “IMPA” pode dizer algo como “no VLCC em que estava praticando ontem…” e aplicar este conhecimento atual à discussão. Isto importa.
O fato de que eles estão subindo e descendo de navios todo o tempo dá-lhes, adicionalmente, uma visão ampla dos padrões de operação dos navios, bem como do treinamento e competência de suas tripulações. Uma coisa é um surveyor de um governo andar pelo navio, taciturno, com sua prancheta; outra é um prático a ver esse navio do ponto de vista operacional, navegando durante o que é, provavelmente, o seu momento mais vulnerável.
Há quem sugira que os práticos tendem a ser algo irascíveis e defensivos, mas eu diria que isto se dá porque muitos, muitos armadores preferem pensar que eles são uma espécie de extra opcional e a praticagem obrigatória, um custo injusto.
Esses mesmos armadores têm reduzido suas tripulações a um mínimo sobrecarregado e exausto e exigem que Certificados de Isenção de Praticagem estejam disponíveis, sempre que solicitados, para que praticamente qualquer um, até o mascote de bordo, possa substituir um prático habilitado.

(Foto de Rodrigo Melo)

A última moda, agora que a ideia de “praticagem remota” a partir de uma torre de controle de tráfego parece ter caído em descrédito, é impor aos práticos pressões para que haja competição com o fim de reduzir os custos, num movimento à la Friedrich Hayek.
Aparentemente, isto deriva da visão romântica de como eram os práticos na era da vela, quando flotilhas de cutters de praticagem iam ao encontro dos navios que chegavam em locais como as proximidades do acesso Oeste ao Canal da Mancha, todos oferecendo seus serviços a um comandante disposto a escolher.
Muitos profissionais optam por ver nos práticos uma adição humana aos sistemas de segurança e, de forma geral, não conseguem ver como a imposição de um “mercado” melhoraria isto de algum modo, sobretudo onde não há movimento bastante para tal competição.
Você não vê cabeços competindo no cais nem eclusas em disputa no Canal do Panamá, vê?
De mais a mais, na maioria dos lugares onde a competição foi imposta, surpresa, surpresa!, os custos da praticagem para os usuários aumentaram, em parte por causa das adições necessárias ao gerenciamento do sistema.

Casaria do navio MV CSAV Lluta (Foto de Rodrigo Melo)
Na Austrália, na Argentina, na Dinamarca e em inúmeras outras partes, a competição significou mudança para (bem) pior e tornou o trabalho consideravelmente menos atrativo para aqueles que realizam este importante trabalho de segurança.
Porém, houve escassos sinais de tais queixas no recente congresso da IMPA, no qual houve sessões sobre a segurança pessoal (os práticos ainda tomam a vida em suas mãos ao embarcar de navios e desembarcar deles), design de embarcações de praticagem, administração do sistema e, talvez de forma esperada, alguma troca importante de ideias quanto à tecnologia.
Os práticos sabem que precisam ficar a par das constantes mudanças da tecnologia, ao passo que permanecem muito conscientes dos riscos da dependência excessiva da eletrônica, já que eles tendem a ver bastante dela nos navios que estão pilotando.
“A tecnologia é ótima — quando funciona”, disse uma vez um ex-presidente da IMPA.
Com a chegada das cartas eletrônicas, os oficiais de bordo ficam expostos à marcha da tecnologia e a um novo tipo de navegação. Eles podem estar em um novo navio, e precisam se entender com novo equipamento mais ou menos uma vez por ano.
Um prático se depara com um dos não menos de trinta modelos diferentes deECDIS cada vez que vai a bordo. Como pode o prático dizer se o equipamento foi adequamente configurado por um oficial de náutica se este também não tem familiaridade com o sistema?
Um prático observou que metade dos ECDIS que vê não estão ajustados corretamente e que muitos destes usam software pirateado ou desatualizado.
Talvez devêssemos nos preocupar mais a respeito desta revolução ora em andamento, tanto mais porque um terço dos quinhentos profissionais consultados a respeito do ECDIS revelou que já encontraram problemas sérios. “Ainda é embrionário” foi um dos comentários. Pode ser, mas é igualmente obrigatório.
Os práticos realmente fazem por merecer o que ganham quando embarcam num navio e descobrem que o planejamento da derrota entre o ponto de embarque e a atracação leva a embarcação direto para vários altos-fundos — porque o calado informado ao computador estava errado. Ou quando vence com dificuldade a escada em meio a uma tempestade na Nova Zelândia e constata que o navio está seguindo seus “guias eletrônicos” em direção a uma escarpa, enquanto a equipe de passadiço apenas acompanha as orientações, sem conferência adequada.
Vários são os práticos que utilizam sistemas de navegação eletrônica independentes daqueles dos navios, sistemas que hoje têm o tamanho de laptops mas estão encolhendo rapidamente. Houve uma discussão fascinante sobre como eles poderiam ser integrados ao treinamento de novos práticos.
“É um conjunto brilhante, mas não deve me levar a um lugar que meu cérebro não tenha visitado primeiro”, foi a orientação muito sensata do prático.”
Tradução por Alexandre G. da Rocha, do artigo do jornalista Michael Grey publicado pela Lloyd’s List em 5 de outubro de 2012. O link original está aqui (restrito para assinantes), mas você pode ler o texto integral aqui.

29 de out. de 2012

O CUSTO DA PRATICAGEM NOS PORTOS: Ministro dos Portos tem razão ... e os práticos as suas!


Republicação da postagem de 19/03/2009, por AINDA ESTAR SENDO DEBATIDO O TEMA em 2012



Ao final deste artigo, publicamos um resumo dos comentários do Comandante Augusto Moniz de Aragão Jr. presidente da Paranaguá Pilots (2009), quando do "I Seminário de Transportes Aquaviários e Portos", realizado em Paranaguá-PR em 21/03/09. 
Veja no site http://www.paranaguapilots.com.br/aviso_farsa.htm o texto "A farsa no relatório da CEGN", no qual os práticos de Paranaguá contestam veemente considerações dos estudos da USP através do seu Centro de Estudos em Gestão Naval - CEGN, no qual esta postagem se baseou.

Práticos e praticagem
A profissão é tão antiga quanto a navegação. Práticos são citados em textos de cerca de 4000 anos atrás, na cidade de Ur (Caldéia). A Bíblia os referencia, “... os teus sábios, ó Tiro, foram os teus pilotos...” (Ezequiel, 27). Os Pilotos eram chamados de LODEMAN, expressão que significa “homem guia”. A palavra pilot advém do holandês seguindo a composição: PIELON para sondar; LOGO piloto; e LOOT direção da profundidade.
Práticos se organizaram como instituição em uma Praticagem somente em 1515 na Grã-Bretanha.

Por definição, a atividade baseia-se em uma espécie de assessoria aos comandantes na navegação em águas restritas onde o conhecimento das particularidades do relevo, correntes, marés e clima são necessários à segurança da navegação.

Não fosse a disponibilidade do serviço de praticagem, a flexibilidade dos navios no atendimento aos diversos portos seriam enormemente prejudicados, seus tamanhos seria reduzido, o transporte menos eficiente, acidentes ameaçariam a vida humana e o meio ambiente e os portos seriam obstruídos por navios encalhados e soçobrados.

Prático grego abordando navio cruzeiro.

A prática exige grandes habilidades, coragem e aguçada capacidade de julgamento. É também, muitas vezes, bastante arriscada. Basta imaginar uma noite de tempestade e um homem pulando de uma lancha para uma escada de corda pendurada a 25m. de altura nos costados de um navio em movimento (ver sequência de fotos a seguir). Escada essa que não foi ele quem inspecionou. Mortes ocorrem. Por isso a seleção dos práticos deve ser rigorosa e o serviço bem remunerado, sem defender aqui a monopolização dos serviços e sua obrigatoriedade.

Evidente, portanto, que toda a economia do país se beneficia de um serviço de praticagem eficaz e seguro, mas a discussão sobre custos, preços e monopólico cartorial deve ser debatido.
No Brasil: do império aos dias de discussões de hoje.

Os motivos que justificaram criar no Brasil de 1889 o monopólio dos serviços de praticagem, por época e conjuntura, não mais prevalecem no País moderno. Defender no mundo de hoje o monopólio de serviços é comparável a preservar o protecionismo de mercado. Só se justifica, na medida e por razões excepcionais, quando valoriza os interesses coletivos e, ao mesmo tempo, se contraponha ao seu controle por uma elite privilegiada, como tem sido na exploração do petróleo.


Em Julho de 2008 o Centro de Estudos em Gestão Naval - CEGN da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, seguindo sugestão da Secretaria Especial de Portos – SEP, publicou o estudo denominado“Análise de estrutura operacional, de custos e recursos de uma associação de praticagem no Brasil e comparação do desempenho e dos modelos com casos internacionais” que está gerando polêmicas e discussões no meio portuário brasileiro.

Cena 1: Prático deixando navio cargueiro após serviço de praticagem no porto de Rotterdam.

A importância do item de custo “praticagem” nas operações portuárias
As tarifas cobradas nos portos brasileiros têm sido questionadas por armadores e pela Secretaria Especial dos Portos (SEP), que as consideram altas. Com base nos dados da ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquaviários (2007), os custos associados à praticagem representaram cerca de 10% dos custos portuários totais de cada contêiner movimentado no Brasil em 2006 (em média, incluindo as despesas de movimentação e armazenagem). Pode ainda representar cerca de 3,5% dos custos totais de transporte oceânico, incluindo os portuários.

O estudo da CEGN demonstra que embora bastante diluído nos diversos itens de custo da operação total de transporte, o custo de praticagem é mais um dos itens que poderiam ser diminuídos em favor do aumento dessa competitividade. Verificar a existência desse potencial e propor uma metodologia para quantificá-lo é o objetivo do trabalho.

O trabalho mostra que, apesar da estrutura de prestação do serviço ser equivalente a de diversos países, os preços cobrados no Brasil são mais caros do que o da média mundial.
As hipóteses assumidas indicam que, com o nível de preços cobrados, uma empresa de capital aberto e com fins lucrativos que oferecesse o serviço de praticagem nas mesmas condições apresentaria um retorno de 260% no capital investido.

Empresas consideradas eficientes na prestação do serviço, na opinião dos autores, mostraram retornos da ordem de 37%, suficiente apenas para cobrir os investimentos necessários, o que se traduz em impacto no custo total do transporte bastante inferior ao caso brasileiro.
O objetivo do trabalho não propôs um caminho que permita essa redução, mas certamente ele passa pela maior transparência das associações de praticagem brasileiras, que é a forma como os práticos se organizam nos portos.

A posição do ministro especial dos portos Pedro Brito.
Diante dessa realidade, não poderia ser mais adequada a posição do ministro Pedro Brito, ao afirmar que o sistema de condução e atracação de embarcações nos portos tem de ser modificado. E, em alto e bom som, vai ao cerne da questão quando afirma que o objetivo é diminuir os custos da operação, que atualmente é monopolizada em cada porto do país por associações de práticos.

Para corrigir essa situação de concorrência imperfeita, o ministro anunciou acertadamente que o governo federal quer aumentar esse quadro e estabelecer a concorrência, com mais pessoas treinadas para conduzir os navios nos portos e, convém frisar, aumentar os postos de trabalho.
É fácil perceber que os Serviços de Praticagem, um serviço profissional de pilotagem, de modo geral obrigatório, de auxílio aos comandantes a bordo dos navios para navegar em portos brasileiros, não exigem infra-estrutura, tal que para ser implantado um serviço paralelo ocorreria desperdício de recursos que justificasse a exclusividade.

Nem tampouco se explica impedir que se amplie o mercado desse trabalho para outros também competentes pilotos de navios que, auxiliados por avançada tecnologia, podem prestar esses serviços com qualidade, segurança à navegação nos portos brasileiros e diferenciar seus preços.


Cena 2: Prático deixando navio cargueiro: Operação de risco.

Modelos internacionais de serviços de praticagem
Existem, grosso modo, duas classes e três tipos de modelos em funcionamento:
1. Serviço público prestado pelo Estado, como por exemplo:
- Suécia
- Bélgica
- Canadá
- Grécia
- Dinamarca
- Austrália (Estado de Queensland)

2. Serviço público prestado pelo setor privado
a. Monopólios regulados, como por exemplo:
- EUA
- Brasil
- Alemanha

- Holanda
- França
- Finlândia
- Espanha
- Itália
- Austrália
- Bélgica (porto de Antuérpia)

b. Aberto à livre iniciativa, como por exemplo:
- Reino Unido
- Argentina
- Austrália (Great Barrier Reef)

Os serviços de praticagem estatais (1) podem ser vinculados a autoridades portuárias públicas, ao poder executivo (governos e ministérios) ou à autoridade marítima.
São duas as principais formas do serviço prestado pelo setor privado:
- Sistema de monopólios regulados (2.a), que são associações ou empresas de sociedade civil que prestam o serviço de forma exclusiva em uma área delimitada pela Autoridade Marítima (Marinha do Brasil), com práticas e tarifas em geral reguladas modelo adotado no Brasil;
- Sistema aberto à livre iniciativa (2.b)., no qual não se impõem limites ao número de prestadores de serviço ou tarifas por zona.
Assim, segundo estuda da CEGN, na maioria dos países avaliados a prestação do serviço é delegada ao setor privado, com monopólios regulados atuando em cada área de praticagem obrigatória (2.a).
Nesses países, a autoridade de praticagem supervisiona a execução dos serviços, limita o número de associações e de práticos em cada porto, fixa critérios de obrigatoriedade do serviço, entre outros, incluindo-se aí a razoabilidade dos preços, e não a situação de monopolização dos serviços com liberdade de preços a quem o presta. No Brasil consegue-se distorcer os modelos, o que dá razão às críticas do ministro Pedro Brito.

Cena 3: Prático a bordo lancha da praticagem.

Marco legal brasileiro e atual discussão sobre praticagem nos portos
No Brasil, a autoridade competente de praticagem para todas as questões do setor é o Comando da Marinha (Ministério da Defesa)26. O marco legal da atividade é a Lei 9.537 de 1997 (LESTA), regulamentada pelo Decreto 2.596 de 1998 (RLESTA). O documento que normatiza a praticagem é a NORMAM 12, emitida e revista periodicamente pela Diretoria de Portos e Costas (DPC).

A LESTA explicita que “o serviço de praticagem será executado por práticos devidamente habilitados, individualmente, organizados em associações ou contratados por empresas”, tema retomado na NORMAM 12. Na prática, o serviço é prestado por associações, em geral, únicas em cada zona de praticagem (ZP).
A formação destas é sugerida explicitamente na NORMAM 12 e, no caso de haver mais de uma, uma delas deve assumir (por consenso ou indicadas pela autoridade marítima) o papel de representante, que estabelecerá o rodízio único. Na ZP que abriga Salvador (BA), por exemplo, operam duas associações sendo que uma presta serviços nos dias pares e outra nos dias ímpares: não há concorrência.

É o "modelo baiano" de dar jeitinhos a acomodações em tudo, mas quem paga é o tomador dos serviços e a competitividade dos preços finais de uma operação portuária.
O exercício da praticagem como “contratado por empresa”, como define a norma, não parece ocorrer e não é desejado pela potencial interferência com o rodízio único de práticos.

O Projeto de Lei (PL) 1.636 de 2007, em trâmite nas comissões da Câmara dos Deputados no instante da realização do estudo da CEGN (Julho 2008) propõem a alteração da LESTA, em seu artigo 13, criando um §5º que abriria a oferta de praticagem a mais de uma empresa, com a seguinte redação:
“§5º: É facultada a existência de mais de uma empresa de praticagem atuando nas zonas de praticagem determinadas pela autoridade marítima (NR).”

Na prática, o modelo brasileiro para o setor seria o de livre concorrência, com suas benesses e desvantagens. Dado o impacto da proposta, espera-se ainda que mudanças no projeto sejam propostos nos próximos meses e sua redação final é incerta.
Em termos de definição de preços, o Brasil difere dos outros países estudados em que há regulação do mercado. Os preços não são fixados por uma autoridade, mas negociados diretamente entre as associações de práticos e os armadores.

O modelo norte-americano
Vejamos como a maior economia do mundo trata do assunto: O modelo adotado nos EUA varia em detalhes de estado pra estado, mas na grande maioria deles vigora o sistema de prestação por associações de práticos autônomos organizados em associações. A despeito de toda a tradição liberal norte-americana, hoje não se pratica a livre concorrência na praticagem na maioria absoluta deste território (American Pilots Association 2006).



Cena 4: Prático a bordo da lancha de apoio, acena para a tripulação do navio cargueiro.

Análise comparativa de preços
Os preços de praticagem cobrados nos portos brasileiros são altos, se comparados a um volume significativo de outros portos analisados. Não foram encontradas razões operacionais para tanto já que as operações são estruturalmente semelhantes na maior parte dos portos. Esta é a conclusão da CEGN.


Há portos internacionais onde as condições são mais adversas, são necessários equipamentos mais sofisticados (muitas vezes utilizam-se helicópteros para embarque do prático) e as tarifas cobradas são significativamente inferiores às brasileiras.

Segundo o estudo da CEGN, os preços praticados por hora de manobra nos portos brasileiros (destacados na tabela) são significativamente mais altos dentro da amostra considerada.
A média encontrada dos portos brasileiros foi de 2,2 vezes superior à observada nos portos internacionais, US$ 2.787 e US$ 1.268, respectivamente.


Esta diferença é ainda superior caso analisemos apenas os portos importantes na movimentação de contêineres no Brasil, como são Santos, Paranaguá, Rio Grande e Itajaí.

Resumindo:
Quando você voltar a ouvir que as tarifas portuárias brasileiras são caras, abra o olho, pois muito se atribui às administrações dos portos públicos, mas ninguém falava sobre os custos da praticagem brasileira, item superior às tarifas públicas dos portos, que são obrigados a manter e investir na infra-estrutura de terra e marítima, como é o caso de dragagens e sinalizações náuticas. Fica provado pelo estudo da CEGN que resumimos neste post, que há mais esqueletos no armário para desnudar o efetivo “custo Brasil portuário”.


Cena 5: Lancha da praticagem de afasta do navio após levá-lo para fora do porto de Rotterdam.


A praticagem de Paranaguá comenta (resumido pelo autor):
- No mundo todo o setor de praticagem é monopolizado, com exceções da Argentina e Australia. Na Argentina o governo fechou várias empresas por causa de acidentes e queda da qualidade dos serviços.
- O monopolio começou o no Império (1889) por ser um serviço público.
- Existem outros trabalhos sobre a praticagem que contestam estas conclusões da CEGN, tais como do CADE e SAE.
- O Trabalho CEGN é contestado pelo Comdte. Moniz de Aragão Jr. por não ter autoria clara.
- Redução dos preços da praticagem: seria repassado pelo armador aos seus preços de fretes?
- Os portos não teriam condições de manter a estrutura de 24 horas que a Paranagua Pilots tem, critica o fato da APPA não dar conta da manutenção de seus marégrafos, que são importantes para a elaboração das tábuas de marés.
- Armadores querem baixar seus custos para aumentar seus lucros e a concorrência entre praticagens só aumentaria os riscos.
- A Justiça brasileira tem dados ganho de causas aos práticos nas disputas com armadores.
- O Brasil paga US$ 10 bilhões em fretes e quem regula o preço do frete do armador estrangeiro?
- O Comdte. Moniz de Aragão Jr. contesta profundamente tópicos deste post (baseado no estudo da CEGN), apontando erros inclusive de números de NORMANs, críticas à redução de calado no porto de Paranaguá, a qual gera encarecimento dos afretamentos dos navios (embora esteja a APPA neste momento, executando serviços de dragagem do Canal da Galheta).

Transparência
Meus agradecimentos ao presidente da Paranaguá Pilots (2009), pela abertura, transparência e profundidade de seus comentários, abrindo espaço para um debate maduro sobre um tema de fundamental importância aos portos.

Material do autor do blog, com base nas fontes:Estudo do Centro de Estudos em Gestão Naval - CEGN da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, denominado“Análise de estrutura operacional, de custos e recursos de uma associação de praticagem no Brasil e comparação do desempenho e dos modelos com casos internacionais” . Julho de 2008.
-Artigo "Praticagem cara?" do site http://www.portogente.com.br/, de 24 de Fevereiro de 2009.

6 de out. de 2012

As novas oportunidades de trabalho no setor de petróleo



* Autor Wagner Victer

Uma figura execrável da história do século passado bradava “uma mentira falada mil vezes virará uma verdade”. Vejo que o absurdo desta afirmação, à época por motivos torpes, infelizmente muitas vezes se comprova em forma de mitos que prosperam em nosso país, em especial em alguns setores empresariais, com o setor do Petróleo.

Por uma maior comodidade em não querer analisar mais profundamente os gargalos setoriais, alguns “especialistas de plantão”, consultores e, pasmem, até executivos colocam como sendo um grande obstáculo ao crescimento do país e agora do setor de Petróleo, um virtual “apagão” na oferta de mão de obra especializada no Brasil. 



Exploração do petróleo brasileiro no Pré Sal: oportunidades profissionais em centenas de especialidades.

É certo que em alguns cortes específicos, até por exigências legais de registros profissionais, temos alguma restrição na oferta de mão de obra, como o caso de Engenheiros Navais, com basicamente duas ou três instituições universitárias no país com tradição na formação e também na área de marítimos mercantes onde a qualificação, ainda centralizada na Marinha do Brasil, não tem acompanhado, na mesma velocidade, o saudável processo de exigência de nacionalização da frota de embarcações de apoio e consequentemente da mão de obra, apesar de sua ampliação nos últimos anos. 

Neste contexto, onde o mito prospera sobre os fatos, fiquei impressionado com a matéria de hoje do Jornalista Rodrigo Polito do jornal Valor Econômico, publicada na página B9, onde a partir de um estudo feito pela conceituada consultoria Accenture, se aponta a oferta de mão de obra como sendo um grande obstáculo para o crescimento do setor petrolífero no Brasil.

Sem desqualificar a conclusão do estudo de consultoria, o que tecnicamente seria incorreto até porque só tive acesso pelo texto da matéria, porém já discordo pela tese, pois só posso creditá-la (ou debitá-la) a uma miopia profunda para a grande oferta de mão de obra existente no país, nos diversos níveis e certamente com uma qualidade e quantidade muito maior que a existente em outros locais do mundo que tiveram que enfrentar desafios no setor petrolífero com os próprios países do Mar do Norte. 




Estaleiro Rio Grandes (RS): Mega investimento da indústria naval gerando inúmeras oportunidades profissionais

Faço esta afirmação com toda tranquilidade, pois durante os 8 anos que fui Secretário de Estado de Energia, Industria Naval e Petróleo, o que coincidiu com o início do primeiro leilão da ANP, em 1999, logo após a abertura do setor de Petróleo, desenvolvemos uma rede de formação de mão de obra, nos diversos níveis, para o setor de petróleo e também para o setor industrial correlato, que não se limitou ao Rio de Janeiro e que se desdobrou por todo país e depois foi inclusive incrementado para os níveis básicos pela criação do PROMINP pelo Governo Federal e inclusive quando a Graça Foster era Secretária de Petróleo. 


Neste contexto, criamos em 1999 na Universidade do Norte Fluminense (UENF) o curso de Graduação de Engenharia de Petróleo, hoje desdobrado em dezenas de universidades espalhadas no país e já com milhares de graduados. Através dos CEFET’s e Institutos Tecnológicos Federais e da própria FAETEC (estadual), estas focadas no ensino profissionalizante técnico e básico e os outros níveis de qualificação avançaram significativamente.

Dezenas de “Cursos Técnicos” para o setor petróleo também foram criados e já formaram milhares de profissionais com um nível bastante adequado. No âmbito do SENAI que são Institutos de referência, simuladores virtuais em padrões equivalentes aos melhores em âmbito internacional foram desenvolvidos e implantados e funcionam a todo vapor.

A partir de 2001, em um conceito adotado em outros países de sucesso como na Alemanha, implantamos de maneira massificada no país em diversas Instituições Públicas e Privadas a formação de profissionais em nível superior de curta duração (2 a 3 anos) que são os Tecnólogos para os diversos cortes das demandas técnicas em especial as do setor Petróleo, um corte de formação ainda pouco aproveitado. 


Estaleiro Itajaí: mais um pólo profissional no sul do país para a indústria de apoio às plataformas de petróleo (PSV).

O que estamos vendo, portanto sem qualquer demérito a estudos e opiniões isoladas de alguns executivos é que ao contrário de falta de mão de obra qualificada, existe sim uma acomodação empresarial em ter uma postura proativa para identificar talentos e profissionais nas diversas Instituições tanto de formação superior, técnica e básica e acompanha de uma ação para qualificar de maneira complementar o profissional para a sua empresa.

É muito importante destacar que empresas que adotam parcerias com as próprias instituições de formação ou que criam suas universidades corporativas, estão alheias a este apagão de mão de obra e os observam como puro besteirol. A própria Petrobras foi pioneira ainda quando era monopolista e existiam poucas opções de oferta, criando ou seus centros de ensino internos ou em parceria com universidades nacionais, sendo o mais conhecido o CENSUD, formando em cursos complementares como CENEQ (Engenharia de Equipamentos), CENTO (Engenharia de Terminais e Oleodutos) superando qualquer suboferta em um momento mais difícil e critico.

Estaleiro Brasfels em Angra dos Reis (RJ): Oportunidades no sudeste, com a maior concentração da indústria naval brasileira.

Desta maneira, posso afirmar, temos ainda milhares de jovens desempregados, já com boa formação suficiente para o ingresso no Mercado de trabalho do setor petróleo ou para um processo de qualificação rápida para adaptação com grande potencial e ávidos por oportunidades desde estágios até o primeiro emprego.

Não podemos alimentar em nosso país um discurso fraco que venha pavimentar uma “onda” para querer justificar a importação de mão de obra qualificada, o que seria um grande retrocesso para o país, além de um ato de guardiã empresarial.

*  Wagner Victer
   Especialista em energia, indústria naval e petróleo. 
   
Fonte: Jornal O GLOBO de 03/01/12

Tribunal Regional Federal valida licenciamento estadual para estaleiro Techint - Pontal PR

Reproduzindo matéria publicada no jornal CORREIO DO LITORAL de 06/10/12

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, deu sentença favorável ao licenciamento realizado pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) para a ampliação das instalações da empresa Techint, em Pontal do Paraná. A empresa produz plataformas para a exploração de petróleo.


Canteiro de obras da Techint em Pontal do Paraná 


A decisão foi relatada pelo juiz federal João Pedro Gerban Neto e acompanhada pelos demais julgadores que, por unanimidade. A decisão ratifica o entendimento da juíza federal Pepita Durski Tramontini, que também deu sentença favorável ao IAP em fevereiro desse ano.



A ação foi movida pelo Ministério Público Federal do Paraná, que recorreu da primeira decisão judicial porque entendeu que o órgão ambiental deveria exigir Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da Techint. O IAP exigiu um Plano de Controle Ambiental (PCA) e condicionantes expostas no processo para evitar um impacto maior e possíveis acidentes ambientais. 



Mesmo sem pedir o EIA/RIMA, o órgão ambiental exigiu do empreendimento as medidas compensatórias que foram calculadas nos mesmos moldes de quando é exigido o estudo.


Techint em 2012 iniciou primeiras atividades construtivas para a fabricação de plataformas de petróleo. Vista de escritórios, infraestruturas e oficinas em Pontal do Sul.


Os técnicos do IAP que atuaram no processo de licenciamento entenderam que o impacto ambiental gerado pela atividade é mínimo, uma vez que a empresa está instalada no local desde a década de 1980. 


“O processo de solicitação de licenciamento do empreendimento está tecnicamente bem embasado, com estudos completos e argumentos concisos. O trabalho bem feito do nosso corpo técnico e jurídico conseguiu provar as razões pelos quais nos levaram a exigir o PCA em vez do EIA/RIMA como queria o promotor federal”, explica o presidente do IAP, Luiz Tarcísio Mossato Pinto.


Segundo ele, com a ampliação das atividades a empresa irá gerar novos empregos para a região sem causar danos ao meio ambiente. “O impacto ocorreu há muitos anos quando o empreendimento foi instalado naquele local, portanto já está consolidado. Não há motivos para que o IAP impedisse a ampliação da empresa em seu próprio terreno”, disse o presidente.


1 de out. de 2012

"Estação Guaratuba!" As bobagens nos planos de infraestrutura ferroviária

Publicado simultaneamente com o jornal on-line Correio do Litoral

E se a estrada de ferro cortar o litoral do Paraná?

O Correio do Litoral publicou há alguns dias, a notícia da discussão dos traçados propostos para o novo pacote de investimentos em infraestrutura ferroviária para o sul do Brasil anunciados pelo Governo Federal, com reações do governo do Paraná. 
Pois é, fiquei pasmo! Explico até o final...
Quando estava na diretoria da administração dos portos do Paraná, participei de inúmeras reuniões de trabalho com meus pares da Ferroeste, a empresa pública estadual para ferrovias. Estávamos sintonizados com o visionário e batalhador Samuel Gomes, presidente da estatal à época: tanto a empresa quanto o porto têm o futuro dependente do outro.


Corredor de exportação de grãos do portos de Paranaguá: Cada vez mais dependente do modal ferroviário de baixo custo para escoar os excedentes da produção do centro-oeste brasileiro.

Afinal, o porto de Paranaguá só sobreviverá e será competitivo nos granéis se estiver conectado a uma nova ferrovia de bitola larga, hidrovias e estações de transbordo da produção do centro-oeste brasileiro. É lá que estão os grãos exportáveis, e que dependem de uma logística eficiente e de baixo custo pra valer a pena comercializar lá fora. 
Hoje, é a agricultura do Mato Grosso do norte e sul, Goiás, Rondônia, Tocantins, Triângulo Mineiro, sul da Bahia, sul do Pará e até do Maranhão que estão produzindo os grandes volumes exportáveis de soja, milho e carnes.

Não é à toa que empresas brasileiras do agronegócio como o Grupo Maggi, Coamo, Cotriguaçú e multinacionais como Cargill, ADM, Louis Dreyfus, Bunge, Noble e muitas outras, já possuem ou estão montando terminais nos rios e portos no norte do país, como Itacoatiara, Santarém e Itaqui e por aí vai. 

Mas e os portos do sul, como Paranaguá, São Francisco do Sul e Rio Grande?  Bem, será uma bela briga de foice!
O nó logístico, ou melhor... a “noiva” é a cidadezinha sul mato-grossense de Maracajú, que se tornará em um entroncamento de rodovias e ferrovias que captarão as produções da região, Rondônia e conecta-as com as ferrovias que as levarão pro sul, porto de Santos ou via ferrovia Norte-Sul que vai até o porto de Itaqui, no Maranhão. 

As modernas ferrovias de bitola métrica (larga) têm o dobro ou triplo da capacidade da nossa velha ferrovia Curitiba-Paranaguá do tempo do trem à vapor com bitola estreita, construída por Dom Pedro II (daí o nome oficial do cais do porto de Paranaguá) e inaugurada pela Princesa Isabel em 1885! 


Ferrovia Norte-Sul que liga o centro-oeste brasileiro ao porto de Itaqui-MA e outros ramais. Moderna e de alta capacidade de carga com bitola métrica (larga). 

A Ferroeste tem seu pequeno trecho de 248 quilômetros no interior do Paraná, ligando Cascavel à Guarapuava. O “pulo do gato” será ligar Maracajú até Guaíra (PR) e estender este ramal até Cascavel, cujos trens vêm a pleno com as cargas produzidas na região e Paraguai até Guarapuava, que através de nova estrada seguiria até Paranaguá, via Irati e São José dos Pinhais e desce a serra... tudo por uma moderna ferrovia em paralelo à velha e imperial atual estrada de ferro.
Era esse o plano que discutíamos até 2010, viável e com baixíssimo impacto ambiental, em especial na Serra do Mar, pois iria aproveitar em muitos trechos abertos pelas torres de alta tensão da Copel.
Mas, o que se discute hoje, é uma outra situação em que a ferrovia continua com direção ao porto de São Francisco do Sul (SC). Ora, pra que isso aconteça, uma imensa destruição ambiental deverá ocorrer, vejamos:
O novo traçado pelo que entendi da notícia atual passará pelo estuário e manguezais da baía de Paranaguá por cima da ilha dos Valadares, o trem apitaria nos terminais da Techint e no futuro Porto Pontal. Correrá em paralelo às praias de Pontal do Sul, Shangri-lá, Ipanema, Praia de Leste, passa por Matinhos, passa por cima da baía de Guaratuba com uma bela ponte rodoferroviária (ou apenas ferroviária?) apita para saudar os guaratubanos. 
O maquinista da janela gritará: “... estaçãooo Guaratubaaa!!!...” e ao som de "O Trenzinho do Caipira" de Villa-Lobos, a longa composição seguirá faceira para Itapoá (SC). Afinal, não teria sentido ir pra São Chico sem antes dar uma paradinha no porto Itapoá e depois dar um salto por cima da baía de Babitonga.
Claro que estando por ali, não custa dar um “pulinho” em Joinville e Araquari..., ou o lobby industrial da região vai ficar em silêncio?
Como se comportarão os órgãos ambientais para que se rasguem quilômetros de manguezais, restingas e mata atlântica para o binário desnecessário?


Comboio ferroviário da ALL em direção ao porto de Paranaguá pela imperial estrada de ferro construída por Dom Pedro II, inaugurada em 1885 pela Princesa Isabel. Ainda em operação de baixa produtividade. Repare a bitola estreita dos trilhos, usada desde à época das locomotivas à vapor.

Esses projetos são tão complexos e sua concepção teórica, que as discussões e embargos judiciais extrapolarão os mandatos de quem os discute. Já sofri estas experiências na pele. As obras portuárias e dragagens que foram iniciadas em 2012, com bandinhas e discursos políticos para desatar a fitinha de inauguração, se tornaram possíveis hoje pelo trabalho de minha equipe desde o início de 2009 ter se “atrevido” a negociar com o Ibama em Brasília um acordo técnico-operacional que desatou o nó ambiental portuário. Isso tudo sem destruir um pé de mangue ou florestas nativas. Três anos se passaram desde a primeira conversa até a prática!
Sorte mesmo teve o imperador Dom Pedro II, em cinco anos construiu a ferrovia ligando Curitiba à Paranaguá, que há 127 salva os portos de Paranaguá e Antonina do colapso logístico. Obrigado Excelência. 
Enquanto isso, fiquemos à espera do trem... “pui puiii... estaçãooo Pontaaal... Matinhooos... Guaratubaaa...!!!”

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É a minha opinião.



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