A
última grande modificação do marco regulatório portuário do Brasil foi em 1993, quando editou-se a famosa Lei nº 8630, conhecida como Lei de Modernização dos Portos, que
realmente impactou positivamente a operação portuária do país, alterou as
relações de trabalho na área primária do cais, criou conselhos de autoridades
portuárias (CAPs), retirou da operação das velhas administrações portuárias, passando-as para as empresas privadas.
No art. 62 da recém editada Medida Provisória nº 595, a “velha 8630” fica revogada. Morreu!
No art. 62 da recém editada Medida Provisória nº 595, a “velha 8630” fica revogada. Morreu!
Portanto,
lá se vão cerca de 20 anos, e a revisão era reclamada por muitos segmentos e
especialistas.
As ilhas de gestão portuária continuam
Mas,
a Lei 8630 à época, não mexeu na gestão das administrações dos portos, tampouco
definiu uma homogeneidade nacional entre os mais de 30 portos públicos
brasileiros e nos terminais privados. As delegações para os estados, municípios e às
companhias docas federais, ainda são verdadeiras “ilhas de gestão” obsoletas,
politizadas regionalmente e altamente influenciáveis pelos poderes econômicos
locais.
O fim da Empresa de Portos do Brasil S/A – PORTOBRAS em abril de 1990, não teve por parte do governo federal um ente público que a substituísse como coordenadora e catalisadora de um modelo portuário nacional único. Ficou-se à deriva nestes anos todos.
O fim da Empresa de Portos do Brasil S/A – PORTOBRAS em abril de 1990, não teve por parte do governo federal um ente público que a substituísse como coordenadora e catalisadora de um modelo portuário nacional único. Ficou-se à deriva nestes anos todos.
A
atual Medida Provisória (MP) nº 595 baixada pela presidente da República Dilma
Rousseff em 06/12/12, também não trata da modernização da gestão das
administrações portuárias. Não foi o foco (pelo menos explicitamente), o que
gera por parte deste analista uma decepção, pois é aí que está o cerne da
questão portuária brasileira.
A
busca pelo ordenamento político, normativo e jurídico portuário nacional se dá
depois de 1993, em dois momentos:
1.
A criação da Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (ANTAQ) em junho de 2001,
2. A criação da
Secretaria Especial de Portos da Presidência da República (SEP) em maio de
2007.
A partir então de 2007, começou-se a resgatar tudo o que foi perdido da inteligência brasileira na área portuária, inclusive com a convocação de antigos funcionários públicos federais já aposentados, para ajudarem na estruturação de uma política nacional para portos, com 17 anos de atraso. Enquanto isso era o DNIT do Ministério dos Transportes (MT) quem cuidava do tema. Ou seja, o rodoviarismo tendo os portos como anexos.
A incumbência coube ao então ministro Pedro Britto, que realizou excelente
trabalho e hoje ocupa uma das diretorias da ANTAQ.
A
MP 595 coloca a ANTAQ sob subordinação da SEP, o que de certa forma ameniza
alguns conflitos de entendimento das políticas nacionais, pois as divergências
entre os órgãos eram visíveis ao público externo.
Para
este analista, a SEP deveria ser convertida em um Vice-ministério, dentro de uma estrutura remodelada do Ministério
dos Transportes (MT). Lá, poderiam ser abrigados vices-ministérios de Aviação
Civil, Hidrovias, Rodovias, Ferrovias e Portos. Hoje, as “ilhas gerenciais” da
infraestrutura logística de transporte continuam, e a nosso ver, a MP 595 se
manteve distante, sem priorizá-las e/ou indicar tendências de ações futuras.
Mas
o que há de positivo em termos de gestão, é que os portos fluviais e lacustres
passam a ser subordinados à SEP e fiscalizados pela ANTAQ, saindo da órbita do
MT que ficou com a ANTT e as hidrovias.
A
leitura da MP 595, em especial seu artigo 4º, pode nos levar a uma indagação: A
gestão das atuais administrações portuárias não foi objeto deste pacote pela
simples razão de que no futuro poderão deixar de existir?
A excessão fica para as administrações portuárias federais, as chamadas "Cias. Docas". Elas terão metas de gestão fixadas e contratadas. Se não forem alcançadas? Demite o gestor?... Muito pouco! Não se trata de demitir um punhado de diretores nomeados, mas sim de uma cultura das arcaicas e obsoletas organizações portuárias que ainda continuarão a existir.
As futuras concessões portuárias da União
A
MP 595 sinaliza que as concessões dos portos públicos já existentes, serão realizadas por licitação. Embora pareça redundante a necessidade de se cumprir a Lei 8666/93 (Lei das Licitações), a redação do artigo 4º. não abre condicionantes previstos em lei, tal como a dispensa de licitações quando se trata de delegações a estados e
municípios, como é o caso dos portos de Paranaguá, Antonina, São Francisco do
Sul, Itajaí, Rio Grande e outros.
O
art. 4º é afirmativo: “serão
realizados... sempre precedida de licitação...”, o que nos induz a pensar
que à medida que as atuais delegações forem vencendo, não serão renovadas, mas sim serão licitadas conforme a redação do artigo Até a administração do porto
organizado é passível de ser licitado. Lembremos: Só há licitação quando se
trata de dispor de bem público à privados. Vejamos:
Art.
4o A concessão e o arrendamento de bem público destinado à atividade
portuária serão realizados
mediante a celebração de contrato, sempre
precedida de licitação, em conformidade com o disposto nesta Medida
Provisória e no seu regulamento.
Parágrafo único. O contrato de concessão poderá abranger, no todo
ou em parte, a exploração do porto organizado e sua administração.
A volta do poder
concedente: União Federal
Desde
1993, a administração-autoridade portuária era a toda poderosa regionalmente.
Daí sua importância política regional, e o esforço de governos e lideranças
partidárias para seu domínio e controle. Afinal, era ela quem ditava o tempo,
objeto e como licitar e/ou autorizar a exploração privada de bens portuários
públicos.
A
MP 595, ao contrário das normas anteriores, repete mais de uma dúzia de vezes o
termo “poder concedente”, que é a União, representada pelo Governo Federal
através da SEP.
No Capítulo III trata exclusivamente deste poder e suas novas atribuições, sintetizadas no art. 12 da medida provisória.
No Capítulo III trata exclusivamente deste poder e suas novas atribuições, sintetizadas no art. 12 da medida provisória.
Assim,
fica evidente a retirada das mãos das administrações portuárias a iniciativa e
o processo licitatório das áreas e instalações portuárias. O poder passou
diretamente para a SEP, tanto que a ANTAQ passa a subordinar-se a ela. Será da ANTAQ e não da gestão dos portos, a prerrogativa de elaborarem os editais e o processo de
licitação para outorga de exploração de instalações ou áreas, sendo a última palavra e a assinatura do contrato da União, através da
SEP, como previsto no art. 12, que trata das atribuições gerais daa Secretaria que
representa o poder concedente.
Exemplo é o art. 9º que trata de chamamentos públicos, antes de prerrogativa das administrações locais:
Exemplo é o art. 9º que trata de chamamentos públicos, antes de prerrogativa das administrações locais:
Art.
9o Compete à ANTAQ promover
chamada pública para identificar a existência de interessados na
obtenção de autorização de instalação portuária, ouvido previamente o poder concedente.
Assim, as outorgas de bens e instalações portuárias,
passam a concentrar-se exclusivamente na SEP. É o Governo Federal trazendo para
si os portos brasileiros, deixando um papel secundário à ANTAQ e aos gestores
locais.
Licenciamento
portuário pelo IBAMA não é compulsório
O novo marco regulatório trata de
licenciamentos ambientais a serem realizados "... pelo órgão
licenciador...” conforme disposto no
art. 11. Isto porque a nova Lei Complementar
(LC) nº 140/2011 no seu art. 7º não inclui portos e terminais na área
de competência da União para este fim, exceto aqueles empreendimentos marítimos na plataforma
continental, o que não é o caso da maioria dos portos brasileiros. O resto é com o órgão ambiental estadual:
Art. 11. A celebração do contrato
de concessão ou arrendamento e a expedição de autorização serão precedidas de:
I - consulta à autoridade aduaneira;
II - consulta ao respectivo Poder Público municipal; e
III - emissão, pelo órgão licenciador, do termo de referência para os estudos ambientais com vistas ao licenciamento.
I - consulta à autoridade aduaneira;
II - consulta ao respectivo Poder Público municipal; e
III - emissão, pelo órgão licenciador, do termo de referência para os estudos ambientais com vistas ao licenciamento.
Assim,
os órgãos ambientais estaduais e municipais, que detêm delegação federal para
administrar portos, têm competências para licenciamentos ambientais destas instalações, há muito
tempo previstos pela resolução Conama nº 237, ratificado pela LC 140/11 e que a
redação da MP 595 re-ratifica a inexistência de exclusividade federal de licenciamento
quando não o vincula ao IBAMA e generaliza a competência para “órgão
licenciador”.
Os intervenientes federais colocam as administrações portuárias debaixo do braço
Prova de que a União
faz uma “intervenção branca” nos portos é o art. 14 da MP 595. Vejamos:
Art. 14. Dentro dos limites da área do porto organizado,
compete à administração do porto:
I - sob coordenação da
autoridade marítima:
(...)
II - sob coordenação da
autoridade aduaneira:
(...)
Desta forma, as Capitanias
dos Portos (Marinha) e a Alfândega (Receita Federal) são os entes que
coordenarão atividades como: balizamentos, dragagens, calados de navios, áreas
de fundeio, acessos de pessoas e cargas às áreas primárias dos portos. Às administrações portuárias locais restará a
execução, o chamado “cumpra-se!”.
Os Conselhos de Autoridade
Portuária como órgão consultivo
Desde o advento da lei 8630/93, era confusa a
interpretação legal sobre o papel dos Conselhos (CAP). Setores empresariais o
classificavam como “deliberativo”, enquanto que as administrações portuárias e
outros o classificavam como “consultivo”.
A MP no seu art. 16 vem definir o caráter consultivo do CAP, não adentrando em
detalhamentos da sua atual estrutura que até aqui permanece a mesma: Quatro
blocos de representação (Poder Público, Trabalhadores, Usuários e Operadores),
cada um com três membros efetivos e três suplentes, cabendo a presidência
sempre ao poder público federal. Vejamos:
Art. 16. Será instituído em cada porto organizado um
conselho de autoridade portuária, órgão
consultivo da administração do porto.
Parágrafo único. O
regulamento disporá sobre as atribuições, o funcionamento e a composição dos
conselhos de autoridade portuária, assegurada a participação de
representantes da classe empresarial, dos trabalhadores portuários e do Poder
Público.
Portanto, a ambição de alguns segmentos de utilizarem
os CAPs para interferirem na gestão, fica comprometida com o afastamento da
questão deliberativa.
Credenciamento de Operadores
Portuários: o fim da discriminação paroquial
O art. 21 da MP mantém nas mãos das administrações portuárias
locais, mas inova ao impedir a discricionariedade local. Fixa prazos para a
certificação (30 dias) à empresa privada interessada, e caso alguém local
engavete ou negue o credenciamento, o prejudicado terá quinze dias para recorrer
diretamente à SEP em Brasília, que terá trinta dias para apreciar o recurso e
julgá-lo.
Acaba assim a “gaveta” para criar dificuldades para vender facilidades, bem como as pressões de grupos econômicos paroquiais para fazerem lobbies contrários a eventuais concorrentes. Foi um grande avanço este tópico:
Acaba assim a “gaveta” para criar dificuldades para vender facilidades, bem como as pressões de grupos econômicos paroquiais para fazerem lobbies contrários a eventuais concorrentes. Foi um grande avanço este tópico:
Art. 21. A
pré-qualificação do operador portuário será efetuada junto à administração do
porto, conforme normas estabelecidas
pelo poder concedente.
§ 1o As
normas de pré-qualificação devem obedecer aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
§ 2o A administração do porto terá prazo de
trinta dias, contado do pedido do interessado, para decidir sobre a
pré-qualificação.
§ 3o Em
caso de indeferimento do pedido mencionado no § 2o, caberá recurso, no prazo de quinze dias, dirigido à Secretaria de
Portos da Presidência da República, que deverá apreciá-lo no prazo de trinta dias, nos termos do
regulamento.
O Art. 53 da MP que a SEP irá ainda elaborar
regulamento nacional para esta norma de pré-qualificação, retirando esta prerrogativa dos CAPs, que até então tinham esta prerrogativa e poder normativo.
Plano
Nacional de Dragagem Portuária e Hidroviária-II
Verifica-se que as dragagens dos canais de acesso aos portos e
hidrovias, sairão das mãos das administrações portuárias locais e passarão a
ser parte de uma centralização na SEP.
A leitura do art. 46 no leva a um novo modelo de gestão da infraestrutura marítima e hidroviária nacional, onde a SEP passa a centralizar tudo: recursos financeiros, licitações e contratos. Talvez sobre a fiscalização aos portos locais.
A leitura do art. 46 no leva a um novo modelo de gestão da infraestrutura marítima e hidroviária nacional, onde a SEP passa a centralizar tudo: recursos financeiros, licitações e contratos. Talvez sobre a fiscalização aos portos locais.
As dragagens de resultado, onde a empresa contratada ficava
dragando e mantendo as cotas e profundidades de canais e bacias de evolução,
agora passam para dez anos, quase como concessão para dragar. Ficou instituído o Plano Nacional de Dragagem-II, conforme segue:
Art.
46. Fica instituído o Programa
Nacional de Dragagem Portuária e Hidroviária II, a ser implantado pela
Secretaria de Portos da Presidência da República e pelo Ministério dos
Transportes, nas respectivas áreas de atuação.
Até a antes trivial compra de bóias de sinalização marítima e a
contratação de serviços de manutenção do balizamento e sinalização náutica,
passou a fazer parte do Plano Nacional de Dragagem-II, saindo da esfera da
gestão portuária local indo para a SEP em Brasília. Assim, o modelo
concorrencial se padroniza e os conchavos locais desaparecem. Uma ótima notícia.
Terminais de
uso privativo podem operar todas as cargas
A MP 595 já no seu início preconiza de forma orientadora o art.3º,
vejamos:
Art. 3o A exploração dos portos
organizados e instalações portuárias, com o objetivo de aumentar a
competitividade e o desenvolvimento do País, deve seguir as seguintes
diretrizes:
I - expansão, modernização e otimização
da infraestrutura e da superestrutura que integram os portos organizados e
instalações portuárias;
Assim, podemos entender
que os Terminais de Uso Privativos (TUP) poderão fazer parte desta “otimização
da infraestrutura” que integra os portos.
No entendimento deste
analista, o art. 8º da MP, ao permitir a modalidade Autorização para
funcionamento de instalação portuária de uso privativo, este direito passa juridicamente a
ser estendida aos atuais terminais.
Assim, terminais como os da Petrobras/Transpetro, poderão prestar serviços de embarque e desembarque de granéis líquidos a terceiros, otimizando sua instalação portuária.
Assim, terminais como os da Petrobras/Transpetro, poderão prestar serviços de embarque e desembarque de granéis líquidos a terceiros, otimizando sua instalação portuária.
Áreas privadas localizadas
à beira do mar, baías e hidrovias, poderão ser convertidos em terminais
privados mediante a modalidade de Autorização pela SEP tramitada pela ANTAQ, desde
que fora da área do porto organizado.
Mas aí surge uma dúvida legal: Como tratar uma área privada dentro do polígono do porto organizado se terceiros tiverem interesse? Esse ponto necessita ser mais bem detalhado.
Mas aí surge uma dúvida legal: Como tratar uma área privada dentro do polígono do porto organizado se terceiros tiverem interesse? Esse ponto necessita ser mais bem detalhado.
O trabalho portuário e novidades na relação com os operadores
privados
Os Órgãos Gestores de Mão
de Obra (OGMOs) criados pela Lei 8630 estão quase todos inviáveis economicamente
pela enxurrada de ações trabalhistas, deixando de evitar o que se pretendia em
1993, ou seja, blindar os tomadores de serviços dos trabalhos sindicalizados no
porto da chamada “indústria das ações trabalhistas”.
A MP traz alguns
dispositivos antes reclamados pelas empresas, e destacamos alguns no Capitulo
IV:
1. Os contratos coletivos
entre sindicatos e operadores portuários não se vinculam mais ao OGMO local;
2. Insere-se a figura da
Arbitragem nos conflitos na relação capital/trabalho sendo que os laudos devem
ser precedentes à justiça trabalhista, o que visa a gestão de conflitos entre
as partes sem recorrências judiciais.
Finalizando
A Medida Provisória nº 595
é auto-aplicável com força de lei, mas certamente será muito discutida no Congresso Nacional no
início de 2013. Portanto, mudanças e novidades ainda poderão aparecer.
No entanto, é mais um
avanço. A “federalização” dos portos chegou, é clara e transparente, ficando
esvaziadas as administrações locais, a agência reguladora e a politização regional dos interesses
difusos que habitam os portos. Tudo será decidido por Brasília, exceto a compra
de papéis e tintas para as impressoras.
A não participação direta
nas administrações portuárias hoje nas mãos das companhias docas, de estados e
municípios nos parece implícita. Afinal, pra que participar de algo condenado à
extinção? É a mensagem subliminar que se capta nas entrelinhas da nova norma
por quem atua há tempos no setor.
No demais, boa sorte à SEP
e ANTAQ, pois terão um imenso trabalho pela frente!