16 de dez. de 2012

COMENTÁRIOS SOBRE O NOVO MARCO REGULATÓRIO PORTUÁRIO (MP 595 de 06/12/12)


A última grande modificação do marco regulatório portuário do Brasil foi em 1993, quando editou-se a famosa Lei nº 8630, conhecida como Lei de Modernização dos Portos, que realmente impactou positivamente a operação portuária do país, alterou as relações de trabalho na área primária do cais, criou conselhos de autoridades portuárias (CAPs), retirou da operação das velhas administrações portuárias, passando-as para as empresas privadas. 

No art. 62 da recém editada Medida Provisória nº 595, a “velha 8630” fica revogada. Morreu!
Portanto, lá se vão cerca de 20 anos, e a revisão era reclamada por muitos segmentos e especialistas.

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As ilhas de gestão portuária continuam

Mas, a Lei 8630 à época, não mexeu na gestão das administrações dos portos, tampouco definiu uma homogeneidade nacional entre os mais de 30 portos públicos brasileiros e nos terminais privados. As delegações para os estados, municípios e às companhias docas federais, ainda são verdadeiras “ilhas de gestão” obsoletas, politizadas regionalmente e altamente influenciáveis pelos poderes econômicos locais. 

O fim da Empresa de Portos do Brasil S/A – PORTOBRAS em abril de 1990, não teve por parte do governo federal um ente público que a substituísse como coordenadora e catalisadora de um modelo portuário nacional único. Ficou-se à deriva nestes anos todos.

A atual Medida Provisória (MP) nº 595 baixada pela presidente da República Dilma Rousseff em 06/12/12, também não trata da modernização da gestão das administrações portuárias. Não foi o foco (pelo menos explicitamente), o que gera por parte deste analista uma decepção, pois é aí que está o cerne da questão portuária brasileira.

A busca pelo ordenamento político, normativo e jurídico portuário nacional se dá depois de 1993, em dois momentos:
1.    A criação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) em junho de 2001, 
2.   A criação da Secretaria Especial de Portos da Presidência da República (SEP) em maio de 2007.

A partir então de 2007, começou-se a resgatar tudo o que foi perdido da inteligência brasileira na área portuária, inclusive com a convocação de antigos funcionários públicos federais já aposentados, para ajudarem na estruturação de uma política nacional para portos, com 17 anos de atraso. Enquanto isso era o DNIT do Ministério dos Transportes (MT) quem cuidava do tema. Ou seja, o rodoviarismo tendo os portos como anexos.

A incumbência coube ao então ministro Pedro Britto, que realizou excelente trabalho e hoje ocupa uma das diretorias da ANTAQ.

A MP 595 coloca a ANTAQ sob subordinação da SEP, o que de certa forma ameniza alguns conflitos de entendimento das políticas nacionais, pois as divergências entre os órgãos eram visíveis ao público externo.

Para este analista, a SEP deveria ser convertida em um Vice-ministério, dentro de uma estrutura remodelada do Ministério dos Transportes (MT). Lá, poderiam ser abrigados vices-ministérios de Aviação Civil, Hidrovias, Rodovias, Ferrovias e Portos. Hoje, as “ilhas gerenciais” da infraestrutura logística de transporte continuam, e a nosso ver, a MP 595 se manteve distante, sem priorizá-las e/ou indicar tendências de ações futuras.

Mas o que há de positivo em termos de gestão, é que os portos fluviais e lacustres passam a ser subordinados à SEP e fiscalizados pela ANTAQ, saindo da órbita do MT que ficou com a ANTT e as hidrovias.

A leitura da MP 595, em especial seu artigo 4º, pode nos levar a uma indagação: A gestão das atuais administrações portuárias não foi objeto deste pacote pela simples razão de que no futuro poderão deixar de existir?

A excessão fica para as administrações portuárias federais, as chamadas "Cias. Docas". Elas terão metas de gestão fixadas e contratadas. Se não forem alcançadas? Demite o gestor?... Muito pouco! Não se trata de demitir um punhado de diretores nomeados, mas sim de uma cultura das arcaicas e obsoletas organizações portuárias que ainda continuarão a existir.

As futuras concessões portuárias da União

A MP 595 sinaliza que as concessões dos portos públicos já existentes, serão realizadas por licitação. Embora pareça redundante a necessidade de se cumprir a Lei 8666/93 (Lei das Licitações), a redação do artigo 4º. não abre condicionantes previstos em lei, tal como a dispensa de licitações quando se trata de delegações a estados e municípios, como é o caso dos portos de Paranaguá, Antonina, São Francisco do Sul, Itajaí, Rio Grande e outros.

O art. 4º é afirmativo: “serão realizados... sempre precedida de licitação...”, o que nos induz a pensar que à medida que as atuais delegações forem vencendo, não serão renovadas, mas  sim serão licitadas conforme a redação do artigo Até a administração do porto organizado é passível de ser licitado. Lembremos: Só há licitação quando se trata de dispor de bem público à privados. Vejamos:
Art. 4o  A concessão e o arrendamento de bem público destinado à atividade portuária serão realizados mediante a celebração de contrato, sempre precedida de licitação, em conformidade com o disposto nesta Medida Provisória e no seu regulamento.
Parágrafo único. O contrato de concessão poderá abranger, no todo ou em parte, a exploração do porto organizado e sua administração.

A volta do poder concedente: União Federal

Desde 1993, a administração-autoridade portuária era a toda poderosa regionalmente. Daí sua importância política regional, e o esforço de governos e lideranças partidárias para seu domínio e controle. Afinal, era ela quem ditava o tempo, objeto e como licitar e/ou autorizar a exploração privada de bens portuários públicos.

A MP 595, ao contrário das normas anteriores, repete mais de uma dúzia de vezes o termo “poder concedente”, que é a União, representada pelo Governo Federal através da SEP. 

No Capítulo III trata exclusivamente deste poder e suas novas atribuições, sintetizadas no art. 12 da medida provisória.

Assim, fica evidente a retirada das mãos das administrações portuárias a iniciativa e o processo licitatório das áreas e instalações portuárias. O poder passou diretamente para a SEP, tanto que a ANTAQ passa a subordinar-se a ela. Será da ANTAQ e não da gestão dos portos, a prerrogativa de elaborarem os editais e o processo de licitação para outorga de exploração de instalações ou áreas, sendo a última palavra e a assinatura do contrato da União, através da SEP, como previsto no art. 12, que trata das atribuições gerais daa Secretaria que representa o poder concedente. 

Exemplo é o art. 9º que trata de chamamentos públicos, antes de prerrogativa das administrações locais:
  
Art. 9o  Compete à ANTAQ promover chamada pública para identificar a existência de interessados na obtenção de autorização de instalação portuária, ouvido previamente o poder concedente.

Assim, as outorgas de bens e instalações portuárias, passam a concentrar-se exclusivamente na SEP. É o Governo Federal trazendo para si os portos brasileiros, deixando um papel secundário à ANTAQ e aos gestores locais. 

Licenciamento portuário pelo IBAMA não é compulsório

O novo marco regulatório trata de licenciamentos ambientais a serem realizados "... pelo órgão licenciador...” conforme disposto no art. 11. Isto porque a nova Lei Complementar  (LC) nº 140/2011 no seu art. 7º não inclui portos e terminais na área de competência da União para este fim, exceto aqueles empreendimentos  marítimos na plataforma continental, o que não é o caso da maioria dos portos brasileiros. O resto é com o órgão ambiental estadual:

Art. 11.  A celebração do contrato de concessão ou arrendamento e a expedição de autorização serão precedidas de:                  
I - consulta à autoridade aduaneira;
II - consulta ao respectivo Poder Público municipal; e        
III - emissão, pelo órgão licenciador, do termo de referência para os estudos ambientais com vistas ao licenciamento.


Assim, os órgãos ambientais estaduais e municipais, que detêm delegação federal para administrar portos, têm competências para licenciamentos ambientais destas instalações, há muito tempo previstos pela resolução Conama nº 237, ratificado pela LC 140/11 e que a redação da MP 595 re-ratifica a inexistência de exclusividade federal de licenciamento quando não o vincula ao IBAMA e generaliza a competência para “órgão licenciador”. 

Os intervenientes federais colocam as administrações portuárias debaixo do braço

Prova de que a União faz uma “intervenção branca” nos portos é o art. 14 da MP 595. Vejamos: 

Art. 14.  Dentro dos limites da área do porto organizado, compete à administração do porto:
I - sob coordenação da autoridade marítima:
(...)
II - sob coordenação da autoridade aduaneira:
(...)

Desta forma, as Capitanias dos Portos (Marinha) e a Alfândega (Receita Federal) são os entes que coordenarão atividades como: balizamentos, dragagens, calados de navios, áreas de fundeio, acessos de pessoas e cargas às áreas primárias dos portos. Às administrações portuárias locais restará a execução, o chamado “cumpra-se!”.

Os Conselhos de Autoridade Portuária como órgão consultivo

Desde o advento da lei 8630/93, era confusa a interpretação legal sobre o papel dos Conselhos (CAP). Setores empresariais o classificavam como “deliberativo”, enquanto que as administrações portuárias e outros o classificavam como “consultivo”.

A MP no seu art. 16 vem definir o caráter consultivo do CAP, não adentrando em detalhamentos da sua atual estrutura que até aqui permanece a mesma: Quatro blocos de representação (Poder Público, Trabalhadores, Usuários e Operadores), cada um com três membros efetivos e três suplentes, cabendo a presidência sempre ao poder público federal. Vejamos:

Art. 16.  Será instituído em cada porto organizado um conselho de autoridade portuária, órgão consultivo da administração do porto.

Parágrafo único. O regulamento disporá sobre as atribuições, o funcionamento e a composição dos conselhos de autoridade portuária, assegurada a participação de representantes da classe empresarial, dos trabalhadores portuários e do Poder Público.

Portanto, a ambição de alguns segmentos de utilizarem os CAPs para interferirem na gestão, fica comprometida com o afastamento da questão deliberativa.

Credenciamento de Operadores Portuários: o fim da discriminação paroquial

O art. 21 da MP mantém nas mãos das administrações portuárias locais, mas inova ao impedir a discricionariedade local. Fixa prazos para a certificação (30 dias) à empresa privada interessada, e caso alguém local engavete ou negue o credenciamento, o prejudicado terá quinze dias para recorrer diretamente à SEP em Brasília, que terá trinta dias para apreciar o recurso e julgá-lo. 

Acaba assim a “gaveta” para criar dificuldades para vender facilidades, bem como as pressões de grupos econômicos paroquiais para fazerem lobbies contrários a eventuais concorrentes. Foi um grande avanço este tópico:

Art. 21.  A pré-qualificação do operador portuário será efetuada junto à administração do porto, conforme normas estabelecidas pelo poder concedente.
§ 1o As normas de pré-qualificação devem obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
§ 2o A administração do porto terá prazo de trinta dias, contado do pedido do interessado, para decidir sobre a pré-qualificação.
§ 3o Em caso de indeferimento do pedido mencionado no § 2o, caberá recurso, no prazo de quinze dias, dirigido à Secretaria de Portos da Presidência da República, que deverá apreciá-lo no prazo de trinta dias, nos termos do regulamento.

O Art. 53 da MP que a SEP irá ainda elaborar regulamento nacional para esta norma de pré-qualificação, retirando esta prerrogativa dos CAPs, que até então tinham esta prerrogativa  e  poder normativo.

Plano Nacional de Dragagem Portuária e Hidroviária-II

Verifica-se que as dragagens dos canais de acesso aos portos e hidrovias, sairão das mãos das administrações portuárias locais e passarão a ser parte de uma centralização na SEP. 

A leitura do art. 46 no leva a um novo modelo de gestão da infraestrutura marítima e hidroviária nacional, onde a SEP passa a centralizar tudo: recursos financeiros, licitações e contratos. Talvez sobre a fiscalização aos portos locais.

As dragagens de resultado, onde a empresa contratada ficava dragando e mantendo as cotas e profundidades de canais e bacias de evolução, agora passam para dez anos, quase como concessão para dragar. Ficou instituído o Plano Nacional de Dragagem-II, conforme segue:

Art. 46.  Fica instituído o Programa Nacional de Dragagem Portuária e Hidroviária II, a ser implantado pela Secretaria de Portos da Presidência da República e pelo Ministério dos Transportes, nas respectivas áreas de atuação.

Até a antes trivial compra de bóias de sinalização marítima e a contratação de serviços de manutenção do balizamento e sinalização náutica, passou a fazer parte do Plano Nacional de Dragagem-II, saindo da esfera da gestão portuária local indo para a SEP em Brasília. Assim, o modelo concorrencial se padroniza e os conchavos locais desaparecem. Uma ótima notícia.

Terminais de uso privativo podem operar todas as cargas

A MP 595 já no seu início preconiza de forma orientadora o art.3º, vejamos:

Art. 3o  A exploração dos portos organizados e instalações portuárias, com o objetivo de aumentar a competitividade e o desenvolvimento do País, deve seguir as seguintes diretrizes:
I - expansão, modernização e otimização da infraestrutura e da superestrutura que integram os portos organizados e instalações portuárias;

Assim, podemos entender que os Terminais de Uso Privativos (TUP) poderão fazer parte desta “otimização da infraestrutura” que integra os portos.

No entendimento deste analista, o art. 8º da MP, ao permitir a modalidade Autorização para funcionamento de instalação portuária de uso privativo, este direito passa juridicamente a ser estendida aos atuais terminais. 

Assim, terminais como os da Petrobras/Transpetro, poderão prestar serviços de embarque e desembarque de granéis líquidos a terceiros, otimizando sua instalação portuária.

Áreas privadas localizadas à beira do mar, baías e hidrovias, poderão ser convertidos em terminais privados mediante a modalidade de Autorização pela SEP tramitada pela ANTAQ, desde que fora da área do porto organizado. 

Mas aí surge uma dúvida legal: Como tratar uma área privada dentro do polígono do porto organizado se terceiros tiverem interesse? Esse ponto necessita ser mais bem detalhado.

O trabalho portuário e novidades na relação com os operadores privados

Os Órgãos Gestores de Mão de Obra (OGMOs) criados pela Lei 8630 estão quase todos inviáveis economicamente pela enxurrada de ações trabalhistas, deixando de evitar o que se pretendia em 1993, ou seja, blindar os tomadores de serviços dos trabalhos sindicalizados no porto da chamada “indústria das ações trabalhistas”.
A MP traz alguns dispositivos antes reclamados pelas empresas, e destacamos alguns no Capitulo IV:
1.    Os contratos coletivos entre sindicatos e operadores portuários não se vinculam mais ao OGMO local;
2.    Insere-se a figura da Arbitragem nos conflitos na relação capital/trabalho sendo que os laudos devem ser precedentes à justiça trabalhista, o que visa a gestão de conflitos entre as partes sem recorrências judiciais.

Finalizando

A Medida Provisória nº 595 é auto-aplicável com força de lei, mas certamente será muito discutida no Congresso Nacional no início de 2013. Portanto, mudanças e novidades ainda poderão aparecer.

No entanto, é mais um avanço. A “federalização” dos portos chegou, é clara e transparente, ficando esvaziadas as administrações locais, a agência reguladora e a politização regional dos interesses difusos que habitam os portos. Tudo será decidido por Brasília, exceto a compra de papéis e tintas para as impressoras.

A não participação direta nas administrações portuárias hoje nas mãos das companhias docas, de estados e municípios nos parece implícita. Afinal, pra que participar de algo condenado à extinção? É a mensagem subliminar que se capta nas entrelinhas da nova norma por quem atua há tempos no setor.

No demais, boa sorte à SEP e ANTAQ, pois terão um imenso trabalho pela frente!