Uma
das várias facetas com que a guerra fiscal se apresenta é aquela que ficou
conhecida como "guerra dos portos", em que Estados concedem
benefícios fiscais a quem realize importações pelo seu território, atraindo
para si a arrecadação do ICMS incidente na importação. Sem tais benefícios, o
referido imposto seria recolhido a outro Estado.
Claro
que não há aprovação pelo Conselho Nacional de Política Fazendária, o Confaz,
para a concessão desses benefícios, conforme exige a Constituição Federal.
Portos de Santos-Guarujá
A
primeira batalha travada nessa guerra teve por objeto as importações chamadas
de triangulares - aquelas em que, por meio da interposição de empresas
consignatárias, busca-se atribuir competência tributária ao Estado que concede
o benefício fiscal, em detrimento daquele em que se dá o desembaraço e para o
qual a mercadoria é efetivamente destinada.
A 1ª
Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) firmou posição no sentido de que o
destinatário jurídico da mercadoria importada - cuja localização, no entendimento
do tribunal, define a competência para a cobrança do ICMS - será aquele a quem,
nos termos do negócio jurídico subjacente à importação, é efetivamente
destinada a mercadoria. Pouco importando onde é localizada a empresa que figura
como mera representante dos interesses da importadora, simples consignatária
dos bens importados.
Extintas
as operações triangulares, restava, ainda, a batalha relativa às importações
regulares, em que a empresa importadora, atraída por benefícios fiscais,
efetivamente se estabelece no Estado que os concede.
E o
primeiro tiro se deu com a edição da Resolução nº 13/12, pela qual o Senado
Federal determinou que, a partir de 1º de janeiro deste ano, a alíquota do ICMS
nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior
passará a ser de 4%. Atualmente, as alíquotas que oneram as operações
interestaduais são de 7% ou 12%, conforme os Estados envolvidos.
Essa
nova alíquota se aplicará aos bens e mercadorias que, importados do exterior,
não tenham sido submetidos a processo de industrialização após o desembaraço
aduaneiro, ou, caso o tenham, apresentem "conteúdo de importação"
superior a 40%.
Talvez a solução seja promover uma
reforma um pouco mais abrangente
A
Resolução previu que caberia ao Confaz baixar normas definidoras dos critérios
e procedimentos a serem observados no processo de "Certificação de
Conteúdo de Importação", e à Câmara de Comércio Exterior (Camex) a
definição dos bens e mercadorias importados do exterior sem similar nacional,
em relação aos quais as regras referidas no parágrafo anterior não serão
aplicáveis.
Diante
dos óbvios prejuízos que seriam causados à economia local, o governo do
Espírito Santo propôs ação direta de inconstitucionalidade contra as
disposições da Resolução nº 13. E merecem destaque, entre outros, dois
argumentos que suportam essa ADI.
Primeiro,
que a competência constitucionalmente outorgada ao Senado se limita à definição
das alíquotas aplicáveis às operações interestaduais com o objetivo de repartir
receitas entre os Estados de origem e destino, e não o de adotar políticas
extrafiscais.
Segundo,
mesmo que tal competência tivesse sido outorgada ao Senado, ter-se-ia que
observar o princípio constitucional que veda a adoção de tratamento tributário
desigual a bens ou mercadorias em razão da procedência ou destino.
Quanto
ao primeiro argumento, a competência outorgada ao Senado foi para definir
alíquotas interestaduais com a finalidade específica de repartir receitas entre
os Estados. Objetiva-se, com isso, privilegiar o pacto federativo e permitir
que os Estados menos desenvolvidos recebam fatia maior da carga tributária
incidente na operação interestadual.
De
fato, quanto menor a alíquota interestadual, maior a arrecadação interna no
Estado de destino, o que justifica, por exemplo, que tenha sido fixada a
alíquota menor de 7% para as operações interestaduais originadas nos estados do
Sul e Sudeste e destinadas aos estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e ao
Espírito Santo Essa alíquota reduzida (de 7%) permite que esses Estados, menos
desenvolvidos, tenham uma parcela maior da arrecadação decorrente da tributação
nas operações internas neles realizadas.
A
tanto pode ir o Senado. Mas jamais extrapolar esses limites, para, por
intermédio da fixação de alíquotas interestaduais, pretender definir políticas
que visem sanar patologias decorrentes do mau uso de benefícios fiscais. Para
esse fim, a Constituição expressamente prevê a criação de mecanismos próprios,
há muito definidos na Lei Complementar nº 24, de 1975.
Também
parece proceder o segundo argumento. Ao estabelecer alíquota diferenciada para
operações interestaduais com bens importados do exterior não industrializados
no país, ou com "conteúdo de importação" superior a 40%, a Resolução
nº 13 cria exatamente o que a Constituição e os acordos internacionais
celebrados pelo Brasil buscam evitar: a adoção de tratamento tributário
desigual a bens em razão da sua procedência ou destino.
De
fato, apesar de o tratamento diferenciado ter sido previsto para operação que
ocorre no país (operação interestadual), o único elemento que propicia essa
diferenciação é o fato de o produto ter sido importado, ou ter relevante
conteúdo de importação. O que é mais do que suficiente para caracterizar a
prática que a Constituição visa coibir.
Ou
seja, foi um tiro n'água, principalmente se for levada em conta a forma como a
matéria foi regulamentada pelo Confaz.
Talvez
a solução seja, como propõe o ministro da Fazenda, Guido Mantega, promover uma
reforma um pouco mais abrangente e unificar a alíquota interestadual em 4%, de
forma que ela seja aplicável indiscriminadamente a todo e qualquer bem ou
mercadoria (e não somente aos importados). Será atingido o mesmo fim, deixando
a salvo os princípios constitucionais.
Fonte: Valor Econômico/* Gustavo Brigagão; advogado, sócio do escritório Ulhôa Canto