17 de jul. de 2010

OS DEZ MANDAMENTOS PARA OS PORTOS PÚBLICOS. OU, UMA BREVE “RECEITA DE BOLO” PARA A MUDANÇA DO MODELO.


Após lerem este artigo alguns leitores poderão pensar ou comentar:

“Poxa! Então porque você não aplicou isso que está escrevendo quando foi superintendente dos portos de Paranaguá e Antonina?”

Existem inúmeras explicações e respostas para uma pergunta simples desta, mas como já comentei em inúmeros artigos, palestras e aqui mesmo neste sítio, as autoridades portuárias brasileiras foram esvaziadas. Além disso, o executivo principal, seja Presidente de uma Cia. Docas ou um superintendente de uma autarquia pouco pode fazer se não tiver um marco regulatório no qual possa basear suas ações.

Além disso, regra geral, os diretores tanto de companhias docas quanto de administrações portuárias delegadas são nomeados pela autoridade maior: o ministro, o governador ou o prefeito a quem a União delegou determinado porto.

Muitos especialistas e conhecedores da matéria têm abordado o tema, e este colunista, na sua pequena significância no contexto, mas com o conhecimento e experiência de quem “sofreu na carne”, pode se dar ao luxo de dar uns “pitacos” para contribuir à discussão da reforma do modelo portuário brasileiro.

Assim, me atrevi a escrever estes Dez Mandamentos, com todo respeito a Moisés, mas agora é pra falar de porto e não da Fuga dos Israelitas do Egito:

1. Que se constituam empresas de economia mista.
Que se acabe com as obsoletas autarquias e atuais companhias docas e criem-se empresas de economia mista, com o controle público para poder exercer o papel de autoridade portuária com isenção, mas com capital aberto a acionistas privados em Bolsa em pelo menos 49%. Que possibilite o profissionalismo, renovação da gestão e capitalização para recuperar a capacidade de investir. Exemplos como a Petrobras mostra a viabilidade.
Petrobras: exemplo de empresa estatal com capital privado como parceiro.

2. Que os recursos humanos sejam capacitados e renovados continuamente.
Tanto as Companhias Docas quanto as administrações portuárias delegadas têm quadros envelhecidos e de atualização tecnológica deficiente. Com raras exceções. Planos de Cargos e Salários que não só promovam e recompense a produtividade, desempenho, eficiência e geração de conhecimento do colaborador, mas que possibilite a renovação constante.
Afinal, a Gestão do Conhecimento se faz em camadas, ou seja, cada geração “passa” para outra o expertise da organização.

3. Que se pratiquem tarifas portuárias adequadas.
É da tarifa portuária que sai a capacidade de remunerar custos operacionais, administrativos e superávits de caixa para reinvestir e remunerar os acionistas, sejam eles públicos e privados. Tarifa baixa é sucateamento e morte certa, pois subsidia o privado em detrimento ao futuro do porto.

A tarifa adequada é aquela que remunera o capital investido na infraestrutura portuária, descontando-se a depreciação e a amortização ao longo do tempo, sem tirar do usuário a competitividade com os portos de sua área de influência (hinterlândia). Daí a importância do ente nacional (ANTAQ ou SEP) para ser este árbitro.
Consegui fazer isto em Paranaguá/Antonina: de um caixa "zerado"em 2003 para mais de R$ 400 milhões hoje. As tarifas estavam congeladas à mais de cinco anos.

4. Que o porto tenha capacidade própria de investimento.
“Manda quem faz o cheque” diz o dito popular. A administração portuária que não tem minimamente capacidade de investir em infraestrutura fica a reboque da ditadura do capital privado, que nem sempre tem os mesmos objetivos do interesse público ou do pequeno ou médio usuário das facilidades portuárias.

Esta capacidade de investir deve se aliar ao investidor privado na expansão e melhorias do porto, sem discriminações ideológicas, mas complementares uma à outra. Por exemplo, Paranaguá/Antonina com R$ 400 milhões em caixa, uma rara exceção entre os porto brasileiros, pode alavancar suas facilidades portuárias se tiver competência gerencial e técnica próprias.

5. Que seja intenso o foco na responsabilidade ambiental.
Não se fazem mais operações portuárias como antigamente. As cabeças antigas e ultrapassadas que não entendem que é possível o desenvolvimento ser limpo, embora custe mais, estão com os dias contados.

O susto que os portos de Paranaguá, Antonina, Santos e outros têm passado com interdição ou quase isso, mostra claramente que o atraso é generalizado e os administradores ainda não levavam a coisa a sério. Firmei um TAC em Outubro de 2009 para evitar naquela época uma interdição, que infelizmente se deu em Julho de 2010.
Basta ver os organogramas das administrações portuárias, pouco ou nada existe de uma forte estrutura técnica para gestão ambiental. Já ouvi diretor de porto falar de forma arrogante: “Eu estou entre aqueles a favor que matem os golfinhos!”.

Sem porto limpo no ar, na terra e na água, não haverá sinergia e entendimento organizacional para as demais ações de gestão. É uma questão de nova atitude de gestão, e não mero cumprimento de uma exigência legal.

6. Que seja intenso o foco na responsabilidade social.
Os portos não podem mais ser uma ilha ou um estorvo ao seu próprio entorno. As cidades têm que querer o desenvolvimento do seu porto, zoneando adequadamente a ocupação do espaço geográfico vital à sua contínua expansão.

Demagogias, populismos, incentivos às ocupações de terras públicas e omissão dos políticos que chegam ao cargo executivo municipal, têm sido os “exterminadores do futuro” dos seus portos, estrangulando-os.

Em paralelo, “royalties” no lugar de tributos municipais deveriam ser pagos aos municípios para criação de fundos para investimento social. Na exploração de petróleo e energia elétrica há experiências de longa data.
Os portos deveriam ter uma diretoria de relações comunitárias em contrapartida de uma secretaria municipal de assuntos portuários, como existem em alguns e raros casos, porém de baixa atuação prática e interativa.

7. Que a legislação torne a Autoridade Portuária mais forte.
Como me disse uma vez um técnico da Receita Federal: “Vamos fazer esta norma juntos porque a Receita ‘eles’ respeitam.”
Ora, a Autoridade Aduaneira, a Marítima, a Sanitária, entre outras, são tão importantes e no mesmo nível hierárquico no Porto Organizado. Mas, por que será que a Autoridade Portuária é a menos “respeitada”?

Já comentei isto em artigo anterior, mas já passou a hora de revisar a Lei 8630 e colocar poder na mão do ente que tem a responsabilidade de ser o árbitro do condomínio portuário.
Autoridade Portuária forte: com aparato técnico e material para atuar no espaço do Porto Organizado.

8. Que seja obrigatório um Plano Estratégico para a década seguinte.
Como Rotterdam, que tem seu Plano Estratégico chamado Visão 2020, os portos brasileiros deveriam ser obrigados a terem o seu, e fiscalizados pela ANTAQ ou SEP na sua rigorosa execução.
Neste plano, as obras e adequações tecnológicas ou expansão física devem estar contempladas e cronologicamente cumpridas, sob pena de substituição da gestão ou rescisão da delegação por parte da União, que é o poder delegante.

Dragagens, novos berços, tecnologias de controle de tráfego marítimo, praticagem própria com contraponto à privada, concursos para contínua reposição funcional retirante, entre outros, os quais são temas fundamentais para estarem contemplados no plano estratégico.

Nos Convênios de Delegação firmados pela União com os atuais delegatórios, muitos destes itens são previstos, mas não são aplicados por sua maioria e cobrados por que delega e fiscaliza.

9. Que os Conselhos de Autoridade Portuária sejam co-responsáveis pela gestão.
Tema controvertido e recorrente, os chamados CAP precisam ser reformulados, tanto na sua representatividade, proporcionalidade e responsabilidade.

O mero caráter opinativo e normativo já não é mais suficiente, pois remete aos gestores uma carga imensa de responsabilidade civil, econômica e criminal, quando penso deveria haver mecanismos de ampliar a responsabilidade na gestão, inclusive remunerando seus membros, mas “trazendo o conselho para dentro”, e não um mero visitante mensal para um encontro de amigos e um faz-de-conta usual na maioria dos portos.

10. Que a Autoridade Portuária tenha mandato estável.
Os membros de agências reguladoras, o delegado da Receita Federal, o Capitão dos Portos, o chefe da ANVISA local e outras autoridades que atuam no Porto Organizado, têm estabilidade funcional, pelo menos. A Autoridade Portuária atual não tem nem a funcional e nem mandato pré-estabelecido.

Portanto, urge que uma nova lei regule o tema, e quem nomeia o gestor da administração do porto, receba as indicações por colegiado qualificado, tal como o CAP, a comunidade portuária, parlamento e outros “moderadores” da tentação de nomear compadres de qualificação muitas vezes questionáveis.

Finalizando:
(da esquerda para direita) O Ministro chefe da SEP - Secretaria Especial de Portos Pedro Brito, o autor do blog e o presidente da ABRATEC e do TCP - Terminal de Conteineres de Paranaguá Juarez Moraes e Silva.

E que agora venham as críticas e discussões. Pelo menos, estou fazendo minha parte e contribuindo com o que aprendí e sei.

Vamos colocar os portos brasileiros de uma vez por todas no Século 21!