Por Michel Grey*
Traduzido pelo prático Alexandre Gonçalves da Rocha - Complexo Portuário de Itajaí-SC (Brasil)
No final do mês de setembro, cerca de 270 práticos estavam à solta em Londres, participando do 21˚ Congresso da Associação Internacional de Práticos Marítimos (International Maritime Pilots Association, ou IMPA).
MSC Fortunate entrando na barra do porto de Itajai - SC (Foto de Alexandre G. Rocha)
Quem já se deu ao trabalho de ler minha coluna na Lloyd’s List durante algum tempo terá percebido que me apraz apoiar os práticos tanto quanto possível, pois acredito que eles são aliados da segurança marítima, seguro contra acidentes e trazem bom senso prático a toda discussão operacional.
A IMPA é uma participante importante da Organização Marítima Internacional (IMO), e aqueles que a representam contribuem com sua perspectiva prática e exclusiva para qualquer debate.
Há vários ex-marítimos em representações nacionais e não-governamentais, mas só o camarada logo atrás da placa “IMPA” pode dizer algo como “no VLCC em que estava praticando ontem…” e aplicar este conhecimento atual à discussão. Isto importa.
O fato de que eles estão subindo e descendo de navios todo o tempo dá-lhes, adicionalmente, uma visão ampla dos padrões de operação dos navios, bem como do treinamento e competência de suas tripulações. Uma coisa é um surveyor de um governo andar pelo navio, taciturno, com sua prancheta; outra é um prático a ver esse navio do ponto de vista operacional, navegando durante o que é, provavelmente, o seu momento mais vulnerável.
Há quem sugira que os práticos tendem a ser algo irascíveis e defensivos, mas eu diria que isto se dá porque muitos, muitos armadores preferem pensar que eles são uma espécie de extra opcional e a praticagem obrigatória, um custo injusto.
Esses mesmos armadores têm reduzido suas tripulações a um mínimo sobrecarregado e exausto e exigem que Certificados de Isenção de Praticagem estejam disponíveis, sempre que solicitados, para que praticamente qualquer um, até o mascote de bordo, possa substituir um prático habilitado.
(Foto de Rodrigo Melo)
A última moda, agora que a ideia de “praticagem remota” a partir de uma torre de controle de tráfego parece ter caído em descrédito, é impor aos práticos pressões para que haja competição com o fim de reduzir os custos, num movimento à la Friedrich Hayek.
Aparentemente, isto deriva da visão romântica de como eram os práticos na era da vela, quando flotilhas de cutters de praticagem iam ao encontro dos navios que chegavam em locais como as proximidades do acesso Oeste ao Canal da Mancha, todos oferecendo seus serviços a um comandante disposto a escolher.
Muitos profissionais optam por ver nos práticos uma adição humana aos sistemas de segurança e, de forma geral, não conseguem ver como a imposição de um “mercado” melhoraria isto de algum modo, sobretudo onde não há movimento bastante para tal competição.
Você não vê cabeços competindo no cais nem eclusas em disputa no Canal do Panamá, vê?
De mais a mais, na maioria dos lugares onde a competição foi imposta, surpresa, surpresa!, os custos da praticagem para os usuários aumentaram, em parte por causa das adições necessárias ao gerenciamento do sistema.
Casaria do navio MV CSAV Lluta (Foto de Rodrigo Melo)
Na Austrália, na Argentina, na Dinamarca e em inúmeras outras partes, a competição significou mudança para (bem) pior e tornou o trabalho consideravelmente menos atrativo para aqueles que realizam este importante trabalho de segurança.
Porém, houve escassos sinais de tais queixas no recente congresso da IMPA, no qual houve sessões sobre a segurança pessoal (os práticos ainda tomam a vida em suas mãos ao embarcar de navios e desembarcar deles), design de embarcações de praticagem, administração do sistema e, talvez de forma esperada, alguma troca importante de ideias quanto à tecnologia.
Os práticos sabem que precisam ficar a par das constantes mudanças da tecnologia, ao passo que permanecem muito conscientes dos riscos da dependência excessiva da eletrônica, já que eles tendem a ver bastante dela nos navios que estão pilotando.
“A tecnologia é ótima — quando funciona”, disse uma vez um ex-presidente da IMPA.
Com a chegada das cartas eletrônicas, os oficiais de bordo ficam expostos à marcha da tecnologia e a um novo tipo de navegação. Eles podem estar em um novo navio, e precisam se entender com novo equipamento mais ou menos uma vez por ano.
Um prático se depara com um dos não menos de trinta modelos diferentes deECDIS cada vez que vai a bordo. Como pode o prático dizer se o equipamento foi adequamente configurado por um oficial de náutica se este também não tem familiaridade com o sistema?
Um prático observou que metade dos ECDIS que vê não estão ajustados corretamente e que muitos destes usam software pirateado ou desatualizado.
Talvez devêssemos nos preocupar mais a respeito desta revolução ora em andamento, tanto mais porque um terço dos quinhentos profissionais consultados a respeito do ECDIS revelou que já encontraram problemas sérios. “Ainda é embrionário” foi um dos comentários. Pode ser, mas é igualmente obrigatório.
Os práticos realmente fazem por merecer o que ganham quando embarcam num navio e descobrem que o planejamento da derrota entre o ponto de embarque e a atracação leva a embarcação direto para vários altos-fundos — porque o calado informado ao computador estava errado. Ou quando vence com dificuldade a escada em meio a uma tempestade na Nova Zelândia e constata que o navio está seguindo seus “guias eletrônicos” em direção a uma escarpa, enquanto a equipe de passadiço apenas acompanha as orientações, sem conferência adequada.
Vários são os práticos que utilizam sistemas de navegação eletrônica independentes daqueles dos navios, sistemas que hoje têm o tamanho de laptops mas estão encolhendo rapidamente. Houve uma discussão fascinante sobre como eles poderiam ser integrados ao treinamento de novos práticos.
“É um conjunto brilhante, mas não deve me levar a um lugar que meu cérebro não tenha visitado primeiro”, foi a orientação muito sensata do prático.”
* Tradução por Alexandre G. da Rocha, do artigo do jornalista Michael Grey publicado pela Lloyd’s List em 5 de outubro de 2012. O link original está aqui (restrito para assinantes), mas você pode ler o texto integral aqui.