1 de out. de 2012

"Estação Guaratuba!" As bobagens nos planos de infraestrutura ferroviária

Publicado simultaneamente com o jornal on-line Correio do Litoral

E se a estrada de ferro cortar o litoral do Paraná?

O Correio do Litoral publicou há alguns dias, a notícia da discussão dos traçados propostos para o novo pacote de investimentos em infraestrutura ferroviária para o sul do Brasil anunciados pelo Governo Federal, com reações do governo do Paraná. 
Pois é, fiquei pasmo! Explico até o final...
Quando estava na diretoria da administração dos portos do Paraná, participei de inúmeras reuniões de trabalho com meus pares da Ferroeste, a empresa pública estadual para ferrovias. Estávamos sintonizados com o visionário e batalhador Samuel Gomes, presidente da estatal à época: tanto a empresa quanto o porto têm o futuro dependente do outro.


Corredor de exportação de grãos do portos de Paranaguá: Cada vez mais dependente do modal ferroviário de baixo custo para escoar os excedentes da produção do centro-oeste brasileiro.

Afinal, o porto de Paranaguá só sobreviverá e será competitivo nos granéis se estiver conectado a uma nova ferrovia de bitola larga, hidrovias e estações de transbordo da produção do centro-oeste brasileiro. É lá que estão os grãos exportáveis, e que dependem de uma logística eficiente e de baixo custo pra valer a pena comercializar lá fora. 
Hoje, é a agricultura do Mato Grosso do norte e sul, Goiás, Rondônia, Tocantins, Triângulo Mineiro, sul da Bahia, sul do Pará e até do Maranhão que estão produzindo os grandes volumes exportáveis de soja, milho e carnes.

Não é à toa que empresas brasileiras do agronegócio como o Grupo Maggi, Coamo, Cotriguaçú e multinacionais como Cargill, ADM, Louis Dreyfus, Bunge, Noble e muitas outras, já possuem ou estão montando terminais nos rios e portos no norte do país, como Itacoatiara, Santarém e Itaqui e por aí vai. 

Mas e os portos do sul, como Paranaguá, São Francisco do Sul e Rio Grande?  Bem, será uma bela briga de foice!
O nó logístico, ou melhor... a “noiva” é a cidadezinha sul mato-grossense de Maracajú, que se tornará em um entroncamento de rodovias e ferrovias que captarão as produções da região, Rondônia e conecta-as com as ferrovias que as levarão pro sul, porto de Santos ou via ferrovia Norte-Sul que vai até o porto de Itaqui, no Maranhão. 

As modernas ferrovias de bitola métrica (larga) têm o dobro ou triplo da capacidade da nossa velha ferrovia Curitiba-Paranaguá do tempo do trem à vapor com bitola estreita, construída por Dom Pedro II (daí o nome oficial do cais do porto de Paranaguá) e inaugurada pela Princesa Isabel em 1885! 


Ferrovia Norte-Sul que liga o centro-oeste brasileiro ao porto de Itaqui-MA e outros ramais. Moderna e de alta capacidade de carga com bitola métrica (larga). 

A Ferroeste tem seu pequeno trecho de 248 quilômetros no interior do Paraná, ligando Cascavel à Guarapuava. O “pulo do gato” será ligar Maracajú até Guaíra (PR) e estender este ramal até Cascavel, cujos trens vêm a pleno com as cargas produzidas na região e Paraguai até Guarapuava, que através de nova estrada seguiria até Paranaguá, via Irati e São José dos Pinhais e desce a serra... tudo por uma moderna ferrovia em paralelo à velha e imperial atual estrada de ferro.
Era esse o plano que discutíamos até 2010, viável e com baixíssimo impacto ambiental, em especial na Serra do Mar, pois iria aproveitar em muitos trechos abertos pelas torres de alta tensão da Copel.
Mas, o que se discute hoje, é uma outra situação em que a ferrovia continua com direção ao porto de São Francisco do Sul (SC). Ora, pra que isso aconteça, uma imensa destruição ambiental deverá ocorrer, vejamos:
O novo traçado pelo que entendi da notícia atual passará pelo estuário e manguezais da baía de Paranaguá por cima da ilha dos Valadares, o trem apitaria nos terminais da Techint e no futuro Porto Pontal. Correrá em paralelo às praias de Pontal do Sul, Shangri-lá, Ipanema, Praia de Leste, passa por Matinhos, passa por cima da baía de Guaratuba com uma bela ponte rodoferroviária (ou apenas ferroviária?) apita para saudar os guaratubanos. 
O maquinista da janela gritará: “... estaçãooo Guaratubaaa!!!...” e ao som de "O Trenzinho do Caipira" de Villa-Lobos, a longa composição seguirá faceira para Itapoá (SC). Afinal, não teria sentido ir pra São Chico sem antes dar uma paradinha no porto Itapoá e depois dar um salto por cima da baía de Babitonga.
Claro que estando por ali, não custa dar um “pulinho” em Joinville e Araquari..., ou o lobby industrial da região vai ficar em silêncio?
Como se comportarão os órgãos ambientais para que se rasguem quilômetros de manguezais, restingas e mata atlântica para o binário desnecessário?


Comboio ferroviário da ALL em direção ao porto de Paranaguá pela imperial estrada de ferro construída por Dom Pedro II, inaugurada em 1885 pela Princesa Isabel. Ainda em operação de baixa produtividade. Repare a bitola estreita dos trilhos, usada desde à época das locomotivas à vapor.

Esses projetos são tão complexos e sua concepção teórica, que as discussões e embargos judiciais extrapolarão os mandatos de quem os discute. Já sofri estas experiências na pele. As obras portuárias e dragagens que foram iniciadas em 2012, com bandinhas e discursos políticos para desatar a fitinha de inauguração, se tornaram possíveis hoje pelo trabalho de minha equipe desde o início de 2009 ter se “atrevido” a negociar com o Ibama em Brasília um acordo técnico-operacional que desatou o nó ambiental portuário. Isso tudo sem destruir um pé de mangue ou florestas nativas. Três anos se passaram desde a primeira conversa até a prática!
Sorte mesmo teve o imperador Dom Pedro II, em cinco anos construiu a ferrovia ligando Curitiba à Paranaguá, que há 127 salva os portos de Paranaguá e Antonina do colapso logístico. Obrigado Excelência. 
Enquanto isso, fiquemos à espera do trem... “pui puiii... estaçãooo Pontaaal... Matinhooos... Guaratubaaa...!!!”

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É a minha opinião.



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