19 de mar. de 2009

O CUSTO DA PRATICAGEM NOS PORTOS: Ministro dos Portos tem razão ... e os práticos as suas!

Title: PILOTAGE COSTS IN BRAZILIAN PORTS: Right critics from Minister of Ports ... and pilots talk about their own reasons!

No final, resumo dos comentários do Comandante Augusto Moniz de Aragão Jr., presidente da Paranaguá Pilots com o autor do blog, quando do "I Seminário de Transportes Aquaviários e Portos", realizado em Paranaguá-PR em 21/03/09. Veja no site http://www.paranaguapilots.com.br/aviso_farsa.htm o texto "A farsa no relatório da CEGN", no qual os práticos de Paranaguá contestam veemente considerações dos estudos da USP através do seu Centro de Estudos em Gestão Naval - CEGN, no qual esta postagem se baseou para o que se segue.
Práticos e praticagem
A profissão é tão antiga quanto a navegação. Práticos são citados em textos de cerca de 4000 anos atrás, na cidade de Ur (Caldéia). A Bíblia os referencia, “... os teus sábios, ó Tiro, foram os teus pilotos...” (Ezequiel, 27). Os Pilotos eram chamados de LODEMAN, expressão que significa “homem guia”. A palavra pilot advém do holandês seguindo a composição: PIELON para sondar; LOGO piloto; e LOOT direção da profundidade.
Práticos se organizaram como instituição em uma Praticagem somente em 1515 na Grã-Bretanha.

Por definição, a atividade baseia-se em uma espécie de assessoria aos comandantes na navegação em águas restritas onde o conhecimento das particularidades do relevo, correntes, marés e clima são necessários à segurança da navegação.

Não fosse a disponibilidade do serviço de praticagem, a flexibilidade dos navios no atendimento aos diversos portos seriam enormemente prejudicados, seus tamanhos seria reduzido, o transporte menos eficiente, acidentes ameaçariam a vida humana e o meio ambiente e os portos seriam obstruídos por navios encalhados e soçobrados.

Prático grego abordando navio cruzeiro.


A prática exige grandes habilidades, coragem e aguçada capacidade de julgamento. É também, muitas vezes, bastante arriscada. Basta imaginar uma noite de tempestade e um homem pulando de uma lancha para uma escada de corda pendurada a 25m. de altura nos costados de um navio em movimento (ver sequência de fotos a seguir). Escada essa que não foi ele quem inspecionou. Mortes ocorrem. Por isso a seleção dos práticos deve ser rigorosa e o serviço bem remunerado, sem defender aqui a monopolização dos serviços e sua obrigatoriedade.

Evidente, portanto, que toda a economia do país se beneficia de um serviço de praticagem eficaz e seguro, mas a discussão sobre custos, preços e monopólico cartorial deve ser debatido.
No Brasil: do império aos dias de discussões de hoje.

Os motivos que justificaram criar no Brasil de 1889 o monopólio dos serviços de praticagem, por época e conjuntura, não mais prevalecem no País moderno. Defender no mundo de hoje o monopólio de serviços é comparável a preservar o protecionismo de mercado. Só se justifica, na medida e por razões excepcionais, quando valoriza os interesses coletivos e, ao mesmo tempo, se contraponha ao seu controle por uma elite privilegiada, como tem sido na exploração do petróleo.
Em Julho de 2008 o Centro de Estudos em Gestão Naval - CEGN da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, seguindo sugestão da Secretaria Especial de Portos – SEP, publicou o estudo denominado “Análise de estrutura operacional, de custos e recursos de uma associação de praticagem no Brasil e comparação do desempenho e dos modelos com casos internacionais” que está gerando polêmicas e discussões no meio portuário brasileiro.

Cena 1: Prático deixando navio cargueiro após serviço de praticagem no porto de Rotterdam.

A importância do item de custo “praticagem” nas operações portuárias
As tarifas cobradas nos portos brasileiros têm sido questionadas por armadores e pela Secretaria Especial dos Portos (SEP), que as consideram altas. Com base nos dados da ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquaviários (2007), os custos associados à praticagem representaram cerca de 10% dos custos portuários totais de cada contêiner movimentado no Brasil em 2006 (em média, incluindo as despesas de movimentação e armazenagem). Pode ainda representar cerca de 3,5% dos custos totais de transporte oceânico, incluindo os portuários.

O estudo da CEGN demonstra que embora bastante diluído nos diversos itens de custo da operação total de transporte, o custo de praticagem é mais um dos itens que poderiam ser diminuídos em favor do aumento dessa competitividade. Verificar a existência desse potencial e propor uma metodologia para quantificá-lo é o objetivo do trabalho.

O trabalho mostra que, apesar da estrutura de prestação do serviço ser equivalente a de diversos países, os preços cobrados no Brasil são mais caros do que o da média mundial.
As hipóteses assumidas indicam que, com o nível de preços cobrados, uma empresa de capital aberto e com fins lucrativos que oferecesse o serviço de praticagem nas mesmas condições apresentaria um retorno de 260% no capital investido.

Empresas consideradas eficientes na prestação do serviço, na opinião dos autores, mostraram retornos da ordem de 37%, suficiente apenas para cobrir os investimentos necessários, o que se traduz em impacto no custo total do transporte bastante inferior ao caso brasileiro.
O objetivo do trabalho não propôs um caminho que permita essa redução, mas certamente ele passa pela maior transparência das associações de praticagem brasileiras, que é a forma como os práticos se organizam nos portos.

A posição do ministro especial dos portos Pedro Brito.
Diante dessa realidade, não poderia ser mais adequada a posição do ministro Pedro Brito, ao afirmar que o sistema de condução e atracação de embarcações nos portos tem de ser modificado. E, em alto e bom som, vai ao cerne da questão quando afirma que o objetivo é diminuir os custos da operação, que atualmente é monopolizada em cada porto do país por associações de práticos.

Para corrigir essa situação de concorrência imperfeita, o ministro anunciou acertadamente que o governo federal quer aumentar esse quadro e estabelecer a concorrência, com mais pessoas treinadas para conduzir os navios nos portos e, convém frisar, aumentar os postos de trabalho.
É fácil perceber que os Serviços de Praticagem, um serviço profissional de pilotagem, de modo geral obrigatório, de auxílio aos comandantes a bordo dos navios para navegar em portos brasileiros, não exigem infra-estrutura, tal que para ser implantado um serviço paralelo ocorreria desperdício de recursos que justificasse a exclusividade.

Nem tampouco se explica impedir que se amplie o mercado desse trabalho para outros também competentes pilotos de navios que, auxiliados por avançada tecnologia, podem prestar esses serviços com qualidade, segurança à navegação nos portos brasileiros e diferenciar seus preços.

Cena 2: Prático deixando navio cargueiro: Operação de risco.

Modelos internacionais de serviços de praticagem

Existem, grosso modo, duas classes e três tipos de modelos em funcionamento:
1. Serviço público prestado pelo Estado, como por exemplo:
- Suécia
- Bélgica
- Canadá
- Grécia
- Dinamarca
- Austrália (Estado de Queensland)

2. Serviço público prestado pelo setor privado
a. Monopólios regulados, como por exemplo:
- EUA
- Brasil
- Alemanha

- Holanda
- França
- Finlândia
- Espanha
- Itália
- Austrália
- Bélgica (porto de Antuérpia)

b. Aberto à livre iniciativa, como por exemplo:
- Reino Unido
- Argentina
- Austrália (Great Barrier Reef)

Os serviços de praticagem estatais (1) podem ser vinculados a autoridades portuárias públicas, ao poder executivo (governos e ministérios) ou à autoridade marítima.

São duas as principais formas do serviço prestado pelo setor privado:

- Sistema de monopólios regulados (2.a), que são associações ou empresas de sociedade civil que prestam o serviço de forma exclusiva em uma área delimitada pela Autoridade Marítima (Marinha do Brasil), com práticas e tarifas em geral reguladas modelo adotado no Brasil;
- Sistema aberto à livre iniciativa (2.b)., no qual não se impõem limites ao número de prestadores de serviço ou tarifas por zona.

Assim, segundo estuda da CEGN, na maioria dos países avaliados a prestação do serviço é delegada ao setor privado, com monopólios regulados atuando em cada área de praticagem obrigatória (2.a).

Nesses países, a autoridade de praticagem supervisiona a execução dos serviços, limita o número de associações e de práticos em cada porto, fixa critérios de obrigatoriedade do serviço, entre outros, incluindo-se aí a razoabilidade dos preços, e não a situação de monopolização dos serviços com liberdade de preços a quem o presta. No Brasil consegue-se distorcer os modelos, o que dá razão às críticas do ministro Pedro Brito.

Cena 3: Prático a bordo lancha da praticagem.

Marco legal brasileiro e atual discussão sobre praticagem nos portos

No Brasil, a autoridade competente de praticagem para todas as questões do setor é o Comando da Marinha (Ministério da Defesa)26. O marco legal da atividade é a Lei 9.537 de 1997 (LESTA), regulamentada pelo Decreto 2.596 de 1998 (RLESTA). O documento que normatiza a praticagem é a NORMAM 12, emitida e revista periodicamente pela Diretoria de Portos e Costas (DPC).

A LESTA explicita que “o serviço de praticagem será executado por práticos devidamente habilitados, individualmente, organizados em associações ou contratados por empresas”, tema retomado na NORMAM 12. Na prática, o serviço é prestado por associações, em geral, únicas em cada zona de praticagem (ZP).

A formação destas é sugerida explicitamente na NORMAM 12 e, no caso de haver mais de uma, uma delas deve assumir (por consenso ou indicadas pela autoridade marítima) o papel de representante, que estabelecerá o rodízio único. Na ZP que abriga Salvador (BA), por exemplo, operam duas associações sendo que uma presta serviços nos dias pares e outra nos dias ímpares: não há concorrência.

É o "modelo baiano" de dar jeitinhos a acomodações em tudo, mas quem paga é o tomador dos serviços e a competitividade dos preços finais de uma operação portuária.

O exercício da praticagem como “contratado por empresa”, como define a norma, não parece ocorrer e não é desejado pela potencial interferência com o rodízio único de práticos.
O Projeto de Lei (PL) 1.636 de 2007, em trâmite nas comissões da Câmara dos Deputados no instante da realização do estudo da CEGN (Julho 2008) propõem a alteração da LESTA, em seu artigo 13, criando um §5º que abriria a oferta de praticagem a mais de uma empresa, com a seguinte redação:

“§5º: É facultada a existência de mais de uma empresa de praticagem atuando nas zonas de praticagem determinadas pela autoridade marítima (NR).”

Na prática, o modelo brasileiro para o setor seria o de livre concorrência, com suas benesses e desvantagens. Dado o impacto da proposta, espera-se ainda que mudanças no projeto sejam propostos nos próximos meses e sua redação final é incerta.

Em termos de definição de preços, o Brasil difere dos outros países estudados em que há regulação do mercado. Os preços não são fixados por uma autoridade, mas negociados diretamente entre as associações de práticos e os armadores.

O modelo norte-americano
Vejamos como a maior economia do mundo trata do assunto: O modelo adotado nos EUA varia em detalhes de estado pra estado, mas na grande maioria deles vigora o sistema de prestação por associações de práticos autônomos organizados em associações. A despeito de toda a tradição liberal norte-americana, hoje não se pratica a livre concorrência na praticagem na maioria absoluta deste território (American Pilots Association 2006).

Cena 4: Prático a bordo da lancha de apoio, acena para a tripulação do navio cargueiro.

Análise comparativa de preços
Os preços de praticagem cobrados nos portos brasileiros são altos, se comparados a um volume significativo de outros portos analisados. Não foram encontradas razões operacionais para tanto já que as operações são estruturalmente semelhantes na maior parte dos portos. Esta é a conclusão da CEGN.

Há portos internacionais onde as condições são mais adversas, são necessários equipamentos mais sofisticados (muitas vezes utilizam-se helicópteros para embarque do prático) e as tarifas cobradas são significativamente inferiores às brasileiras.

Segundo o estudo da CEGN, os preços praticados por hora de manobra nos portos brasileiros (destacados na tabela) são significativamente mais altos dentro da amostra considerada.
A média encontrada dos portos brasileiros foi de 2,2 vezes superior à observada nos portos internacionais, US$ 2.787 e US$ 1.268, respectivamente.

Esta diferença é ainda superior caso analisemos apenas os portos importantes na movimentação de contêineres no Brasil, como são Santos, Paranaguá, Rio Grande e Itajaí.

Resumindo:

Quando você voltar a ouvir que as tarifas portuárias brasileiras são caras, abra o olho, pois muito se atribui às administrações dos portos públicos, mas ninguém falava sobre os custos da praticagem brasileira, item superior às tarifas públicas dos portos, que são obrigados a manter e investir na infra-estrutura de terra e marítima, como é o caso de dragagens e sinalizações náuticas. Fica provado pelo estudo da CEGN que resumimos neste post, que há mais esqueletos no armário para desnudar o efetivo “custo Brasil portuário”.

Cena 5: Lancha da praticagem de afasta do navio após levá-lo para fora do porto de Rotterdam.

A praticagem de Paranaguá comenta (resumido pelo autor):

- No mundo todo o setor de praticagem é monopolizado, com exceções da Argentina e Australia. Na Argentina o governo fechou várias empresas por causa de acidentes e queda da qualidade dos serviços.

- O monopolio começou o no Império (1889) por ser um serviço público.

- Existem outros trabalhos sobre a praticagem que contestam estas conclusões da CEGN, tais como do CADE e SAE.

- O Trabalho CEGN é contestado pelo Comdte. Moniz de Aragão Jr. por não ter autoria clara.

- Redução dos preços da praticagem: seria repassado pelo armador aos seus preços de fretes?

- Os portos não teriam condições de manter a estrutura de 24 horas que a Paranagua Pilots tem, critica o fato da APPA não dar conta da manutenção de seus marégrafos, que são importantes para a elaboração das tábuas de marés.

- Armadores querem baixar seus custos para aumentar seus lucros e a concorrência entre praticagens só aumentaria os riscos.

- A Justiça brasileira tem dados ganho de causas aos práticos nas disputas com armadores.

- O Brasil paga US$ 10 bilhões em fretes e quem regula o preço do frete do armador estrangeiro?

- O Comdte. Moniz de Aragão Jr. contesta profundamente tópicos deste post (baseado no estudo da CEGN), apontando erros inclusive de números de NORMANs, críticas à redução de calado no porto de Paranaguá, a qual gera encarecimento dos afretamentos dos navios (embora esteja a APPA neste momento, executando serviços de dragagem do Canal da Galheta).

Transparência

Meus agradecimentos ao presidente da Paranaguá Pilots, pela abertura, transparência e profundidade de seus comentários, abrindo espaço para um debate maduro sobre um tema de fundamental importância aos portos.


Material do autor do blog, com base nas fontes:
Estudo do Centro de Estudos em Gestão Naval - CEGN da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, denominado “Análise de estrutura operacional, de custos e recursos de uma associação de praticagem no Brasil e comparação do desempenho e dos modelos com casos internacionais” . Julho de 2008.
-Artigo "Praticagem cara?" do site http://www.portogente.com.br/, de 24 de Fevereiro de 2009.